Blockbuster

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Seguia pela Avenida Brasil sentido centro às três horas da tarde de Sábado, tinha planejado ir ao shopping para assistir um filme comigo mesmo: as pipoquinhas estavam me dando água na boca só de imaginar...

Era o fim de semana de estreia de um dos filmes mais aguardados dos últimos tempos, do qual eu sequer me lembrava o nome. Um alívio para quem só assistia blockbusters de super-heróis ou ia ao cinema apenas quando o Tarantino lançava alguma coisa, ou então o Scorcese, ou, ainda, o Nolan. Costumávamos gostar bastante dos filmes do Nolan...

Não havia engarrafamento, ainda bem. O trânsito fluía tranquilamente, com filas de poucos carros em cada semáforo. Acabei fazendo em dez minutos o trajeto que geralmente levava trinta às cinco da tarde em dias normais.

Tudo ia bem, eu nem tinha motivos para apertar o pé até que, a algumas centenas de metros do shopping, as luzes do semáforo começaram a descer. Acelerei um pouquinho, cheguei a sessenta, e passei pelo cruzamento quando a última bolinha verde tinha acabado de se apagar... quero dizer, não cheguei a passar pelo cruzamento.

Uma picape bateu em cheio na traseira do meu sedan e eu vi o mundo girar mais uma vez. O barulho é sempre mais alto para quem testemunha um acidente, eu acho, visto que eu já presenciei mais destes do que me envolvi. Aquele, na verdade, era apenas o segundo, desconsiderando, logicamente, os esbarrões e sustos casuais.

Desta vez ocorreu tudo bem, eu estava de cinto e os airbags não me deixaram na mão. Tive leves escoriações nos braços e no rosto, principalmente por causa dos cacos de vidro. Meu carro parou com as quatro rodas para cima e, quando soltei o cinto, eu caí um pouquinho... deve ter sido engraçado.

Alguns dos poucos transeuntes me ajudaram, chamaram a polícia e a ambulância prontamente: Menos de dez minutos depois já estavam lá. Fizemos um boletim de ocorrência e recebi os primeiros socorros ali mesmo.

Estava tudo bem comigo, portanto recusei encaminhamento hospitalar. O motorista da camioneta, por outro lado, teria de ser levado para o pronto socorro. Usava o cinto, mas pela velocidade em que estava tinha muita sorte de estar vivo. O veículo só parou depois de entrar em uma loja onde, felizmente, o movimento estava bem fraco: ninguém se feriu além de nós.

O dano material foi bem grande, mas dos males foi o menor. Foi retirado do veículo com a ajuda dos bombeiros, que tiveram de usar ferramentas para desprendê-lo das ferragens. Estava consciente, porém sofria bastante com as dores. Pareceu-me estar embriagado, mas procurei não prestar atenção nisso.

Acionei o seguro, resolvi a parte burocrática assim que possível. Fora os pequenos hematomas e a dor de cabeça, tudo estava bem. Alguns repórteres cobriam o grande evento, pareciam urubus sobre a carniça.

Nunca consegui entender como eles podiam vender, diariamente, as tragédias mais devastadoras com tanto desleixo e insensibilidade. Ou pior, não entendia como as pessoas ainda aceitavam consumir isso... bem, não me cabe julgar.

Quanto a dirigir alcoolizado eu entendo menos ainda. Como alguém pode ser tão imprudente consigo mesmo e com os outros?

Eu estava bem, ainda bem. Liguei imediatamente para minha mãe para que ela soubesse do ocorrido pela minha boca e não precisasse descobrir através das lentes distorcidas dos telejornais ou sites de notícias. Aguardei até que o guincho viesse remover os veículos, o que demorou mais algumas horas. Já escurecia quando chamei um táxi.

'O senhor não deve fumar dentro do veículo' o motorista me disse quando eu pedi que me levasse até o shopping. Pedi desculpas: é claro que eu não poderia fumar no carro do rapaz, mas depois de tudo o que havia acontecido eu sequer lembrara de acender um cigarro.

E, se é que vocês querem saber, o filme não valeu todo esse esforço. 



Revisão publicada em 27/06/2020.

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