Criticismo

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Se tem uma coisa da qual gosto muito é carnaval. Amo carnaval. Já fui mais crítico com relação ao carnaval, mas hoje adoro. Enquanto muita gente vai para os blocos, baladas, micaretas, desfiles e afins eu fico em casa e assisto tv. Todos estamos felizes, isso não é maravilhoso?

Na adolescência não gostava. Aliás, não gostava de quase nada quando era mais jovem: só sabia censurar e tinha opinião para tudo. Incrível como hoje, depois de tantos anos, percebo que muita gente da minha idade ou mais velha que eu ainda está nessa fase da vida. É engraçado...

E é claro que, como não podia deixar de ser, ainda mantenho muitas das minhas condenações, mas agora os alvos são bem diferentes. Não consigo, por exemplo, suportar quem fala de alguma coisa sem qualquer propriedade, baseando seus argumentos (preconceitos, melhor dizendo) em achismos ou em sua experiência de vida, na experiência de vida de alguém próximo ou, ainda, em casos isolados que vêm à tona através dos veículos de comunicação.

Quero dizer, opinião é algo extremamente pessoal, vamos mantê-la assim, não é? Moldar os fatos para que se adaptem às nossas crenças nos torna ainda mais crentes em qualquer coisa, mas não quer dizer que aquilo em que cremos seja uma verdade absoluta e incontestável.

Nós estamos ficando cada vez mais patéticos e para abrandar esse sentimento de completa apatia começamos a julgar a nossos semelhantes. Na verdade, somos juízes da vida de todo mundo, mas não gostamos nada quando somos colocados na cadeira dos réus.

Sentado em meu sofá, com a porta da varanda aberta, consigo escutar a fanfarra lá embaixo. Dez ou doze anos atrás eu estaria de muito mau humor, hoje em dia só sorrio. Decido: vou fumar um cigarro.

Os foliões passam gritando, dançando, rindo e curtindo a vida. Alguns olham para cima e cumprimentam, balançando os braços aleatoriamente. Algumas moças e alguns moços elogiam minha suposta beleza, quem sou eu para discordar? Dou um bom trago, aceno gentilmente em resposta às dezenas de pessoas que me convidam para descer. Pondero, melhor não: já era quase meia noite e eu não tenho mais idade para isso.

Talvez fosse até melhor ir para a cama, mas amanhã o dia seria exatamente igual ao de hoje... para que a pressa, então? Fiquei os observando uns bons quinze minutos, depois voltei para a sala e liguei a tv.

Passava um filme de ação fantástico. A pistola do protagonista dava cinquenta tiros sem precisar recarregar. Era ele contra uns dez vilões, que não eram nem páreo: matava a todos e os vinte seguintes que vinham na cobertura caíam quase instantaneamente. E assim a história seguia.

No fim, a mocinha era salva do galpão em chamas: o personagem principal saía de lá andando com ela nos braços, altivo e firme enquanto todo o edifício ia pelos ares em uma grande explosão. Final perfeito? Não para mim.

Prefiro filmes que me fazem pensar, me levam a questionar se a realidade é plausível e me deixam confuso no final, ruminando cada detalhe até achar um sentido para o porquê de as coisas terem acontecido como aconteceram. Às vezes, nesses casos, preciso assistir tudo de novo. Impressionante...

Prefiro isso aos clichês de ação dos anos 80 ou às cópias baratas que tentam reproduzir hoje em dia.

Se bem que é de clichê em clichê que nós vamos escrevendo nossa própria história. A minha, recheada de falhas e imperfeições, me trouxe aqui, hoje.

E mesmo se pudesse mudá-la, não o faria. Deixaria de ser quem sou se não tivesse sofrido pelos erros que cometi, se não tivesse aproveitado os bons momentos que marcaram a minha vida. Se tenho arrependimentos? Claro, e muitos, mas são o fardo que eu, e somente eu, tenho de carregar.

Costumava ser estúpido demais há bem pouco tempo e creio que hoje sou um pouco menos estúpido. Ainda muito estúpido, obviamente, mas mais consciente.

Consciente de que as coisas não precisam e não vão me agradar. Não são as pessoas que precisam se adaptar às minhas crenças ou valores e sim eu quem preciso me ajustar ao mundo em que vivemos, cheio de diferenças e pluralidades: um mundo onde algumas pessoas gostam de brócolis, outras de Carnaval.



Revisão publicada em 20/06/2020.

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