Relato 11

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Relato: Freddy_ayoi

A tarde corre apressada no avanço das horas. Uma chuva pesada encharca as ruas. Pedestres despreparados correm apressados procurando um abrigo. A precipitação começou repentinamente. Juliana aperta os passos para evitar os pingos. Precisa chegar no endereço do novo emprego antes das dezoito horas.

Sabe que se chegar atrasada no primeiro dia vai causar uma péssima impressão. Olha para o próprio pulso. O pequeno relógio “Invicta”, de pulseira fina, cor de pérola, marca dezessete e trinta. Vai dar tempo, pensa. Está dentro do horário. Pode evitar a chuva atravessando a galeria do centro comercial, para depois descer pelo calçadão e, no máximo em dez minutos, estará em frente ao Executive Office.

O edifício de pequenos escritórios está cravado há décadas na principal avenida da cidade. Juliana se espreme junto às paredes para se abrigar da bátega sob as marquises e assim chega na porta do prédio comercial. Passa pela pesada porta de aço e vidro, dando uma corridinha para pegar o elevador que já fechava as portas.

Sente-se idiota olhando para os números que indicam a passagem dos andares mas não quer encarar o homem de meia idade, baixinho e obeso, que a observa com um olhar inexpressivo. Logo um silvo agudo, acompanhado de um movimento brusco do chão, indica a parada do elevador em um dos andares. O homenzinho desce e a moça permanece.

A porta se fecha novamente, e depois de subir mais alguns andares, Juliana chega ao seu destino. O corredor é um pouco escuro, com uma iluminação débil amarelada. Passando os olhos pelas portas, a moça procura pela sala dez. Não demorou muito e viu o par de números metálicos um pouco corroídos pela ferrugem sobre uma placa que diz: 
“Natas Tânato TAXIDERMISTA”.

Embora não possua nenhuma simpatia pela arte de empalhar animais mortos, a oferta de uma vaga como secretária foi bem atraente e depois de meses desempregada Juliana não tinha alternativas. Bateu levemente na porta e se assustou. Junto com o som do seu toc, toc, pensou ter ouvido um sussurro em seu ouvido.

Girou nervosamente a cabeça para todos os lados. No final do corredor não há iluminação. Tem a impressão de que algo se mexe ali. Diz olá em voz alta . Da dois passos lentos olhando para aquela direção e um rapaz sai de um canto, cruza a sua frente e desaparece pelo corredor. O susto faz seu coração palpitar a mil e teria soltado um grito enorme se não tivesse tampado a própria boca com as mãos.

Voltou-se então para porta e quase teve um ataque cardíaco ao dar de frente com um senhor franzino, de óculos e de estatura mediana. O homem estendeu a mão e se apresentou como Sr Natas. A mulher, trêmula por causa dos sustos que acabou de passar, se sentiu ridícula diante do novo chefe, por ter deixado o grito escapar dessa vez.

O velhinho pediu desculpas por tê-la assustado e a convidou para entrar. A sala não é muito grande e parece ser mais minúscula ainda devido aos diversos objetos espalhados. Em um canto, um armário velho embutido com várias prateleiras cheias de frascos de produtos químicos e mais uma mesa tipo escrivaninha. Muitos, muitos bichos estáticos com olhos esbugalhados como se fossem fotografias tridimensionais congeladas no tempo compõem o cenário.

Uma águia com as asas abertas como se estivesse em pleno voo. Um sagui agarrado a um galho. Uma cascavel armando um bote. Juliana sente um arrepio, parecem criaturas vivas. O Sr. Natas explicou que sai várias vezes por dia para coletar mais material para o seu trabalho e precisa de alguém para cuidar de sua sala e atender ao telefone. Ela não pode deixar ninguém entrar ali e não deve mexer em nada. Deve tocar apenas no telefone.

Trabalho explicado e depois de tudo estar certo, o ancião pegou uma valise, seu chapéu, despediu-se e deixou a moça tomando conta de tudo. Antes de sair ele a advertiu novamente para não deixar ninguém entrar. Foi então que ela lhe perguntou sobre o jovem que tinha visto antes no corredor. O taxidermista respondeu que deveria ser alguém perdido por ali porque, nesse andar, apenas aquela sala está ocupada.

Sozinha pela primeira vez no escritório, sentou-se na cadeira em frente a escrivaninha. Olhou para os lados, observando tudo a sua volta. Respirou fundo e percebeu que não há nada para fazer. Bom, vai ser um dinheiro fácil, analisou. Um grande relógio pendurado na parede começou a tiquetaquear mais alto. O silêncio aumenta cada vez mais. Juliana arrependeu-se de não ter trazido um livro para passar o tempo.

A campainha estridente do telefone rasgou a quietude do ambiente com violência levando a moça a dar um pulo. Riu-se do próprio abalo e tirou o fone do gancho. Alô? Nada. A secretária aperta mais o fone na orelha e insiste. Um som baixo. Uma voz baixa. Um sussurro. Até que ela entende uma voz que diz: – VÁ EMBORA! FUJA! – Juliana, assustada e bastante trêmula, salta da cadeira e deixa o telefone cair.

Gruda as costas na parede e segura o choro apertando a mão contra a boca olhando para o aparelho no chão. Aos poucos vai se acalmando. Começa então a argumentar consigo mesma. Deve parar de ser tão medrosa. É óbvio que isso não passou de um trote. Respirou fundo e sentou-se novamente.

O tempo foi passando sem novos incidentes. Entediada, resolveu abrir uma das gavetas. encontrou folhas de papel em branco. Pelo menos isso, pensou. Pegou um dos lápis no porta trecos em cima da mesa e começou a desenhar. Bexiga apertada. Onde será que fica o maldito banheiro? Levantou e foi até um corredor apertado onde viu com alegria uma portinha com duas letrinhas penduradas: WC. Entrou e sentou-se na latrina.

Enquanto se alivia ouviu um barulho. Será que seu Natas já voltou? E se for outra pessoa? Meu Deus! Seu único trabalho é não deixar ninguém entrar. Tinha que aparecer alguém logo agora?Repreendeu-se por não ter verificado se a porta do escritório estava trancada. Recompôs suas vestes rapidamente e saiu apressada para o seu posto. Ninguém.

Seu coração disparou novamente. Ouviu mais ruídos que parecem vir do corredor de acesso ao banheiro. Pegou um pedaço de madeira que estava escorando um dos animais empalhados e armou-se com ele. Pé ante pé foi se aproximando com seu pedaço de pau em riste.

Ao lado do banheiro, uma porta que não havia reparado está um pouco aberta, revelando uma pequena fresta. Cautelosa ela chama, mente que já chamou a polícia e lentamente abre a porta. A sala está na mais completa escuridão e Juliana, segurando sua “arma” com uma das mão usa a outra pra tatear a parede procurando o interruptor de luz.

Encontra, aciona-o mas embalde. A lâmpada não se acende. Diga quem está aí ou eu te acerto, ameaçou. Seus olhos foram se acostumando com a escuridão e, de repente, conseguiu definir uma silhueta na penumbra. Saltou para trás com o susto e caiu sentada. Gritou desesperada e aquela figura começou a se aproximar dela.

Conseguiu visualizar melhor quem está ali. É o rapaz que estava antes no corredor. Ela está paralisada de medo e ele aproxima os lábios bem perto do rosto dela e diz: – Corra! Nesse instante ela vê horrorizada o pescoço do moço começar a se rasgar, como se uma serra invisível estivesse decepando a cabeça do jovem. A cabeça cai para um lado e o corpo para o outro e tudo simplesmente desaparece em uma névoa negra.

Assim que a imagem pavorosa se dissipa as luzes da sala se acendem. Meu Deus! Não pode ser! Juliana não acredita nos próprios olhos. Diante dela, diversas prateleiras estão repletas de cabeças humanas. Olhos abertos e conservadas como se estivessem vivas. Juliana junta suas últimas forças para se levantar e fugir dessa despensa lúgubre.

Foi então que ela reparou na feição de uma das cabeças bem no centro de uma das prateleiras. É o rosto do jovem que estava ali minutos atrás. Não quer saber de mais nada. Aparvalhada sai sem rumo, cambaleante, chocando-se contra as paredes e tropeçando em obstáculos.

Quando alcança a porta sente uma dor lancinante na cabeça. Um objeto pesado acaba de lhe acertar o crânio com força. Cai de costas no chão e um fio de sangue escorre pelo seu rosto. Mesmo com a visão turva consegue reconhecer o rosto do velho Natas observando-a.

Antes de desacordar ouve ele dizer: – Maldição! Eu pedi para não mexer em nada. Agora vou ter que encontrar outra secretária. Mas essa vai ser uma bela peça.

Na sala escura, uma coleção macabra está guardada. Cabeças humanas que ensaiam expressões diversas. Uma das peças está separada, colocada em um pedestal. É o crânio de uma bela jovem, com uma expressão de incredulidade.

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