Era uma noite fria e difícil para os quatro irmãos que andavam juntos numa linha desorganizada pela estrada tempestuosa que, se não os matassem, os levaria para seu destino final. Como se não bastasse terem que enfrentar o vento atirando flocos de neve repetidamente em seus olhos desprotegidos, o chão congelado tornava difícil as passadas apressadas, casualmente derrubando um deles, o que era recebido com xingamentos dos demais.
Era uma noite fria, sim, mas especialmente difícil.
Antioch Peverell, o irmão mais velho, tentava guiar os mais novos que se seguravam como podiam atrás dele. Não fazia isso por bondade - não, bondade era a última coisa que poderia motivar Antioch - e muito menos porque queria. Se não fosse pelo voto perpétuo que seu falecido pai o fizera firmar anos antes ele há muito teria largado os outros três, antes mesmo da viagem começar. Respirou fundo enquanto equilibrava-se pela quinquagésima vez naquela noite, se arrependendo veemente de suas escolhas de vida e tomando mais um passo em direção ao interminável cenário branco que se estendia a sua frente.
Atrás dele vinha Cadmus Peverell, o segundo mais velho, chorando baixinho em seu eterno luto pela perda de sua esposa.
"Oh, qualquer um que possa escutar meus lamentos", pedia ele teatralmente, sentindo o coração comprimir-se por meio de todos aqueles casacos que usava, apertando ainda mais as vestes de Antioch que usava para manter-se ligado ao mesmo. "Me tiraram minha amada, minha mãe e agora meu pai. O que podem mais levar de mim?"
Se perdia tão egoisticamente em seus pensamentos mórbidos que não havia espaço em sua mente para notar que Ignotus Peverell, o segundo mais novo, sofria para agarrar-se a corda que amarra na sua cintura.
— Cadmus, espere! Desse jeito vamos acabar nos perdendo. — Ignotus gritou o mais alto que conseguia para ser ouvido por cima do vendaval, puxando a corda para tentar chamar a atenção do maior. — Elsta não conseguirá acompanhar desse jeito, ela está tremendo de frio.
— Ah, deixe-a ir então! Do que vale insistir? Vamos todos morrer nessa tempestade! — Cadmus gritou de volta, mostrando seu descontentamento em seu tom arrogante e costumeiro. Ele propositalmente aumentou seu tom de voz para que a menor ouvisse sua próxima sentença: — E sabemos bem que Elsta vai ser a primeira.
— Eu não quero morrer! — A menor choramingou, agarrando-se ainda mais a Ignotus, que concentrava-se ao máximo para manter uma mão presa a garota e a outra em seu irmão da frente.
— Cadmus, isso não é hora. — Ignotus gritou, irritado. Não que se importasse muito com as provocações rotineiras do mais velho com a pequena, mas se continuassem com aquilo era capaz que ele realmente acabasse por soltar a corda. Ou Elsta. — Elsta, não preste atenção nele, você sabe como ele é.
— Eu não quero morrer, Ignotus, não quero. — Elsta continuava a choramingar, sendo puxada mais violentamente pelo garoto que a mantinha seguindo em frente.
— Se não quer morrer então engula seu choro e continue a caminhar. — Ele pestanejou. Odiava seguir a mesma linha dura que seus irmãos, mas aquela garota testava o limite de todos. — Rápido!
Antioch escutava a discussão lá da frente da fila, mas sabia que era inútil intervir. Não que se importasse o suficiente com Elsta para defendê-la - esse era o papel de Ignotus -, mas com toda aquela confusão ele achava difícil se concentrar nos seus arredores.
Estavam buscando um abrigo para a noite ao que pareciam horas, porém tudo que achavam era mais campo aberto e gelo caindo aos monte do céu carregado. Se ao menos pudessem usar seus poderes... Mas não podiam, seu pai explicitamente proibiu o uso de magia quando fossem à procura do rio em que deveriam despejar suas cinzas.
Os Peverell não se encontravam muito distante do local que procuravam, mas com aquele temporal iriam acabar morrendo antes de sequer se localizarem, e Cadmus não estava brincando quando dizia que Elsta iria ser a primeira a partir dessa para melhor.
A garota ia por último na fila, carregando em sua bolsa mal costurada a urna que continha as cinzas de seu pai e chorando. Tanto chorou durante a viagem que agora não haviam mais lágrimas, apenas o barulho insuportável que produzia quando estava triste, coisa que acontecia com frequência.
Elsta Peverell, a mais nova, fora negligenciada pelos irmãos desde o nascimento pela grande diferença de idade e por ser fruto do segundo casamento do pai. Sua mãe morreu durante seu parto e agora o único familiar que tinha o mínimo de afeto por ela se fora, deixando-a à mercê dos três irmãos mais velhos que sempre que possível a evitavam. Elsta chorava por seu pai, sim, mas acima de tudo chorava por si mesma.
Temia a morte mais do que tudo em sua pequena e infeliz vida; além das duas mortes familiares já mencionadas ela presenciou o falecimento de todos os seus bichinhos de estimação, assim como a de dois amigos próximos. Não tinha relação com nenhuma das mortes, mas ainda assim sentia-se amaldiçoada, apavorada por sentir que um dia chegaria sua vez de ser levada.
Seu maior desejo era estudar o máximo que pudesse sobre magia e encontrar um jeito de alcançar a imortalidade, desejo esse terminantemente negado por seus irmãos, que negavam seus livros e sua ida à Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. O pai não era contra - afinal, a garota estava prestes a completar seus onze anos e possuía sangue bruxo (e puro) correndo em suas veias -, mas de que importava agora que ele não poderia mais defendê-la dos demais?
Choramingou mais um pouco, se arrependendo instantaneamente ao sentir o apertão que Ignotus em sua mão, engolindo um gemido de protesto que sabia que apenas pioraria a situação.
Sentir o frio devorar pouco a pouco seu pequeno ser a aproximava cada vez mais da tão temida morte, podia sentir a doce voz que sussurrava de trás da fina cortina que separava a vida do que vinha após dela. A voz a chamava, confundia seus sentidos, tornava difícil sua respiração.
Ela repetia que não queria morrer, mas parecia em vão, ela estava sendo levada, carregada pelos braços duros de alguém alto.
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A Quarta Peverell
FanfictionE se os famosos irmãos Peverell fossem, em realidade, quatro irmãos? E se a quarta parte desse conjunto fosse uma garota negligenciada desde o seu nascimento, que tão pouca diferença fazia na vida de todos que não valia a pena ser mencionada? Elsta...