Capítulo II

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Aquela casa abrigava o mundo de Bruno, no pequeno quarto ele colecionava revistinhas de super-heróis e como tantos meninos, como ele já fora, queria ter superpoderes para combater as injustiças, trazer a paz e ser admirado, ver as pessoas sendo gratas a ele.

Porém a realidade era outra. Bruno era pobre e sem estudos. Faria o que precisasse para continuar tendo uma vida ao menos digna e honrada, mesmo que significasse trabalhar em construções de prédios, casas ou máquinas. Assim, ele acabou sendo operário numa fábrica de alimentos e dava graças a Deus por conseguir aquele trabalho numa época de crise.

Muitos processos industriais já eram mecanizados pela necessidade de atender as demandas que cresciam e cada vez menos os homens eram necessários. Bruno teve a oportunidade de ter um registro em carteira e isso dava-lhe o privilégio de retornar à sua casa depois do toque de recolher, sem que fosse morto.

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Nas primeiras horas do primeiro dia de julho de 1972. Maria sentou-se na cama assustada com o coração batendo muito rápido, como se tivesse um pesadelo muito assustador que a fez levantar-se e ir até o quarto de seu filho para constatar que ele ali dormia tranquilamente.

Os dias passavam e Maria sentia algo lhe sufocando...

Coisa de mãe, ela defendia-se quando exagerava no zelo. Estranhamente, mesmo tendo visto seu filho dormindo, a sensação angustiante não a abandonava. Bruno devia estar na fábrica, ela achava naquele instante, porém seus sentimentos foram presságios.

Perto do horário de sair da fábrica, Bruno desviou-se do caminho que costumava pegar para chegar no ponto de ônibus, distraído com o cartaz do filme que estava passando no cinema: O Poderoso Chefão. Queria muito ter a oportunidade de ver, mas estava sem dinheiro e só receberia no dia 10 ou quinze, devido ao fato da empresa estar enfrentando uma crise.

Chegou atrasado no ponto de ônibus e ali teria que ficar até que passasse outro, porém ele só passaria uma hora mais tarde e o deixaria no bairro vizinho da comunidade o que o obrigaria a caminhar uns três quilômetros, fazendo com que ele chegasse muito tarde em sua casa.

Pior que isso, era sua mãe preocupada e os policiais que depois das vinte e duas horas levavam presos os elementos que estivessem nas ruas. Jamais tivera uma ficha na delegacia e queria continuar assim. Sentou-se no banco de madeira e observou o anoitecer, não com pesar, mas com admiração. O céu era colorido de azul marinho repleto de pontos brilhantes que causaram em Bruno um sentimento atípico de saudosismo.

Para quebrar o silêncio da noite, destruindo as perfeitas sinfonias de insetos quase harmonizando com o canto de Bruno que cantarolava algo de Erasmo Carlos, surgiu o barulho de motor de moto. Tão agressivo que fazia doer os ouvidos. 

Onde estaria essa moto que parecia estar tão próxima?

Se espichando todo, Bruno continuou a procurar quem estava pilotando o veículo, mas este só apareceu uns cinco ou seis minutos depois, em alta velocidade freando próximo onde ele aguardava, agora com certo medo em estar sozinho.

Nunca havia brigado com alguém antes e ali eram dois contra um. Mas o som de uma sirene...

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Som de bip...

Som de disparo...

Som de saco plástico quando é manuseado.

Bruno sente-se sufocar. Seu corpo está além de nu, está completamente suado. Tudo está escuro, mas ele pode escutar duas vozes desconhecidas, um homem e uma mulher. Será que se tratava de sua mãe?

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