Capítulo 1

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—MEREDITH!!

Nem havia amanhecido ainda naquele dia e os gritos de Madame Brooks já eram ouvidos por toda a ala dos empregados. Madame Brooks, a governanta já gritava meu fazia algum tempo então senti que era hora de sair do meu esconderijo e enfrentá-la. Arrumei a touca de linho branco de volta sobre meus cabelos, apaguei a vela e saí do pequeno e empoeirado armário de vassouras para seguir o som das reclamações e ameaças de desemprego.

—Estou aqui Madame Brooks, estava trabalhando.

Disse, quase matando a mulher de meia idade de susto ao chegar de surpresa por suas costas.

—Trabalhando em um ninho de ratos?— perguntou indignada ao olhar meu uniforme, que percebi estar acinzentado e sujo de poeira.

—Estava limpando uma lareira, senhora.

Não costumo mentir, nunca gostei disso. Porém, preferia contar pequenas mentiras para rígida governanta do que ouvir seus gritos estridentes por horas caso dissesse a verdade. E, além do mais, não era como se estivesse fugindo do serviço, não tinha nenhuma tarefa a fazer até o almoço quando deveria ajudar na cozinha. Porém Madame Brooks não gostava que eu "perdesse tempo" com coisas "triviais" como ler, segundo palavras dela própria. Se tinha tempo livre deveria estar bordando ou algo do gênero.

Logo a expressão dela começou a se suavizar, apenas um pouco, enquanto engolia a mentira. Eu havia escapado por pouco.

—Eu bem que pressenti que iria encontrá-la imunda, como sempre.— Brooks falou, com desprezo aparente, estendendo um embrulho de tecido em minha direção— Limpe-se e me encontre na cozinha em quinze minutos.

Abri a boca para perguntar do que se tratava mas logo o rosto da governanta já havia se fechado em uma carranca. Acenando com a cabeça, me afastei com o embrulho nos braços, tentando entender o que estava acontecendo.

Trabalhava na mansão dos Rogers desde os 15 anos, já faziam cinco anos que dividia meu tempo entre limpar, cozinhar e ler escondida, mas senti que algo estava prestes a mudar.

***

Apenas quando cheguei ao quarto das criadas foi que entendi o quanto aquilo deveria ser importante. Dentro do embrulho, estava um uniforme, um vestido azul claro, sua gola e punhos brancos eram decorados com pequenas pérolas falsas imitando botões. Junto havia uma touca e um avental decorados com babados. Meu uniforme usual era preto e cinza.

Madame Brooks sempre se gabou de sua excelência no serviço que exercia. Comandava a criadagem com punhos de ferro. Para cada morador ou visitante da mansão ela designava um criado. Este deveria estar disponível 24 horas por dia e era responsável por atender a todas as necessidades de seu senhor ou senhora. Por andarem frequentemente nos cômodos pessoais da família eles recebiam aquele uniforme mais caprichoso.

Será que o Sr.Rogers está recebendo uma convidada?

Entendendo a importância daquilo, me troquei mais rápido do que nunca. Em dez minutos estava com o rosto limpo e o uniforme novo acompanhando Madame Brooks através dos corredores levando uma bandeja de café da manhã.

—Você não deve falar com ele a menos que ele fale com você. Não deve olhar para ele nem mesmo se ele olhar para você. Você leva o que ele pedir, na hora que ele pedir. Deve se certificar de manter ele satisfeito, sempre. Estamos entendidas?— Madame Brooks discursava enquanto subíamos para o terceiro andar, onde ficavam os quartos.

—Quem irei atender?— perguntei sem esconder a ponta de curiosidade em minha voz.

Normalmente para um visitante homem seria designado um criado homem.

—Sr.Rogers, claro.— respondeu como se fosse a pergunta mais idiota que eu já havia feito.

—O que houve com Lola? A criada anterior.

—Ela se tornou...—Madame Brooks parecia enojada ao falar da garota—...inapropriada. Não se torne inapropriada, está entendendo garota???

—Entendi, Senhora.

Eu não havia entendido. Mas discutir não iria adiantar. Estava especulando em minha cabeça o que tinha acontecido com Lola, lembrava dela como competente e discreta. Então paramos em frente a porta do quarto.

O corredor ainda estava iluminado quase que apenas por velas, que lançavam uma luz fraca sobre o rosto austero de Madame Brooks. No meio da pressa havia me esquecido que ainda não eram nem 8:00 da manhã. A governanta então se virou, me encarou com absoluta seriedade e falou em voz baixa.

—Estou lhe dando esse cargo porque, embora viva com a cabeça nas nuvens, você não parece ter tendência à fofocas e mexericos comuns às empregadas. Espero que continue assim, porque senão, não importa quem eram seus pais, você vai embora com uma mão na frente e outra atrás.

Com aquela ameaça ela se afastou silenciosamente, como um fantasma, pelo corredor.

Ela me dava calafrios.

Sabia o que deveria fazer. Entrar, acender a lareira, servir o café. Madame Brooks havia explicado a rotina do Sr.Rogers durante o caminho até ali. Ainda assim nunca estive tão nervosa. Uma coisa era ver ele, o grande chefe, de longe e trabalhar por trás da cena para garantir o funcionamento da casa. Outra era ser diretamente responsável pelo bem estar dele. Se estragasse tudo a ameaça de Madame Brooks realmente poderia se concretizar.

Colocando meu medo de lado respirei fundo e resolvi encarar a nova missão.

Segurei a bandeja com uma mão e abri a porta com a outra, devagar, para não fazer barulho. No entanto, ao entrar no quarto, fui surpreendida ao encontrar o Sr.Rogers sentado em sua cama com um livro sobre o colo, ao invés de estar dormindo. A lamparina na cômoda permitia apenas uma visão parcial do rosto do jovem mestre. Os cabelos loiro escuro ainda bagunçados ganhavam reflexos dourados, os olhos castanhos estavam escondidos por trás dos óculos e fixados na página do livro. Em sua bochecha esquerda ainda era possível enxergar a teia de marcas avermelhadas causadas pelas fronhas do travesseiro. Era difícil imaginar que ele poderia significar o fim de meus dias de paz e aquilo me tranquilizou. Ele estava lendo, antes do sol nascer.

Alguém assim não pode ser tão ruim. Não é?

Doce como MelOnde histórias criam vida. Descubra agora