Capitulo 2

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Saí do meu torpor ao ouvir o som de uma página sendo virada.

—Seu desjejum, senhor.— Disse largando a bandeja perto da  sobre a mesinha ao lado da cama.

Vendo o sol, que começava a se infiltrar sob as cortinas, as afastei para que o quarto se iluminasse.

—Perdão.

Disse baixinho ao ver o homem piscar se ajustando à luz e pensei ter visto ele lançar um olhar curioso em minha direção. Deveria ter pedido permissão antes, ou ao menos avisado. Já estava começando errado.

—Tudo bem. —respondeu ele antes de voltar para o livro e virar a próxima página. Em meu silêncio costumeiro continuei a me mover pelo quarto, abrindo janelas e afofando almofadas sobre a poltrona. Também acendi a lareira. Estávamos no final do inverno mas os dias ainda eram frios o suficiente para se pegar um resfriado facilmente.

—Prepare meu banho, por favor.

Dei um pulo de surpresa quando ouviu a voz grossa atrás de mim. Já estava totalmente absorta na minha tarefa.

—Sim, cla....— ao me virar a voz morreu em minha garganta.

Sr.Rogers estava parado, de frente para a janela. Em plena luz notei algo que não havia reparado antes. Ele estava nu da cintura para cima, vestia apenas uma calça branca de dormir que se pendurava precariamente sobre seus quadris. Ele era alto, mais do que havia imaginado ao vê-lo de longe durante o tempo que vivi lá. Sempre achei que seria como outros homens ricos, largados, descuidados com o próprio corpo se afundando em excessos, fedendo como o álcool e cigarros. Porém a verdade parecia bem diferente. Músculos longos e definidos adornavam seus braços e costas. Foi então que me lembrei dos avisos da Madame Brooks sobre ele. Ela havia comentado que era um homem ativo, gostava de cavalgar e também de outros esportes.

 Senti sorte por ele estar de costas, pois borboletas pareciam ter tomado conta do meu estômago, e imaginava que meu rosto estivesse com a cor de tomates maduros. Já havia visto homens seminus de perto, mas nós últimos anos estava acostumada apenas aos poucos rapazes que trabalhavam por lá, em sua maioria magros e desleixados com a própria aparência. No entanto, aquela sensação de sorte se foi quando ele olhou para trás e me flagrou boquiaberta.

Um revirar de olhos foi sua única indicação de que ele notou minha expressão.

—Já estou indo. Com licença.

Constrangida, fugi para o outro cômodo e me pus a preparar o banho.

Consegui passar o resto do dia sem ser notada, e sem causar mais vergonha a mim mesma.  Com o passar dos dias notei que se desviasse o olhar quando ele estivesse seminu conseguia ficar impassível. Sr.Rogers não parecia se importar nem um pouco com minha presença. Os dias seguiram com ele me ignorando e eu fingindo que não estava lá.

Theodore Rogers era um homem de rotina. Acordava cedo todos os dias, fazia todas as refeições no quarto quase todos os dias. Logo, eu levava as bandejas de café, almoço e jantar. A não ser quando o tempo estava particularmente bonito, aí ele comia em uma pequena mesa no jardim. Fazia exercícios todas as noites, momento no qual fazia questão de não estar por perto. Cometi o erro uma vez, pois tinha algumas roupas para guardar, e fiquei sem saber para onde olhar.

Ele ia muito, e falava pouco. A não ser quando falava sozinha, fazia perguntas que ninguém respondia. Parecia se interessar por um assunto novo a cada semana, comprava livros, pesquisava tudo que podia, fazia anotações e passava para o próximo. Não demorou para que eu começasse a furtar livros de sua estante, foi mais forte do que eu, mas eu sempre devolvia.

Logo comecei a me sentir confortável com a rotina me adaptei. Ser invisível sempre foi fácil para mim. Achava o silêncio confortável e, aparentemente, ele também achava.

E aquela rotina funcionou. Por algum tempo.  

***

Anos de Guerra

Depois de muito esforço consegui pegar um vislumbre da capa do livro. E a vontade de fazer comentários coçou dentro de mim. Guerra era o assunto da semana, e sendo sempre curiosa fiz minhas próprias pesquisas. Aquele livro em particular eu já havia lido. Porém se me perguntassem onde peguei o exemplar eu teria que negar. Tendo um irmão que virou soldado o assunto sempre me interessou.

Mas ao invés de perguntar o que estava achando da leitura eu voltei a focar nos livros espalhados pelo quarto, que deveriam voltar para a estante. Sr.Rogers não era exigente ou algo assim mas o que não tinha de mimado tinha de bagunceiro. Livros eram espalhados pelos cantos, e roupas atiradas sobre os móveis. Estava refletindo sobre isso quando sua voz cortou meus pensamentos.

—Será que no final todo esse caos vale a pena?

—Claro que vale.

O silêncio que se seguiu foi mais profundo do que o esperado. Fiquei rígida por um momento rezando para ter falado em voz baixa.

Não tinha. Sentia seu olhar em minhas costas.

Droga. Agora não vou voltar atrás.

Doce como MelOnde histórias criam vida. Descubra agora