Capítulo 2

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No segundo ela manteve o mesmo percurso, enquanto eu esperava calmamente na linha. Sempre reparava em seus cabelos quase esbranquiçados, produto de tantos processos químicos que me surpreendia ele manter a sua sedosidade. Ao contrário dela, os meus cabelos eram negros como a noite. E contrastavam não contra uma pele bronzeada, mas um tom pálido, quase tão branco que se furassem minha carne, a única coisa que distinguiria a pele dos ossos seria o sangue.

Permanecia no mesmo lugar todo dia. As vezes um pouco a frente, outras vezes mais atrás. A fila se movimentava de maneira descontrolada a mim, mas sempre me garantia de ao menos poder ficar tempo o suficiente para vê-la andar. Às vezes seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo, mas geralmente esbanjava as madeixas esbranquiçadas livres. Sempre usava um casaco. Independente do calor, que às vezes parecia queimar minha pele ao ponto dela derreter. Ao mesmo tempo, ela não o utilizava para cobrir seus ombros. Parecia que apenas seus braços fazia frio, pois só cobriam eles. Algumas vezes veludo, outras um com uma penugem falsa de algum animal, e raramente apenas um cardigã simples e rosado, mas sempre algo para se cobrir. Por baixo, sempre usava o uniforme do colégio, como todo mundo ao redor. Era evidente que não era uma aluna de uma série mais avançada porque sua blusa ainda era branca, diferente da minha, que era de uma tonalidade azul-escura. Além da altura, os pelos mais visíveis no rosto, o corpo mais desenvolvido, aquilo era o que dividia os alunos do segundo e terceiro ano dos das séries mais baixas. Pela sua altura, não deveria passar da oitava série. Arriscaria dizer que acabava de entrar no primeiro ano, mas era difícil identificar pois sempre andava com algumas meninas que mais pareciam crianças do que realmente adolescentes. Seu corpo era bem pouco desenvolvido, bastante magricelo e provavelmente dava para ver cada osso em seu corpo se tirassem sua roupa. Aquilo, no entanto, estranhamente me atraia. Algumas vezes me pegava pensando se eu me atraia por ela ou se eu queria ter seu corpo. Talvez os dois conceitos se misturassem. Eu talvez queria ser ela. Era como uma princesa e suas amigas, que sempre a seguia, seus suditos fieis.

Algumas vezes alguns pretendentes apareciam ao seu redor e eu observava isso tudo sentada em um banquinho do pátio, comendo um salgado que eu comprava independente do dia ou da fome. Era um ritual, assim como observar a menina de longe. Era fácil identificar os pretendentes. Geralmente meninos do segundo ou terceiro ano, pela camisa, que agiam com a maior intimidade. Abraçavam-na, beijavam sua cabeça, enrolavam seus braços nela, mas ela nunca parecia interessada. Era mais como se aquilo fosse uma maneira de inflar seu ego, assim como os amigos que a seguiam. Talvez fosse uma daquelas meninas mimadas, que precisaria de constante atenção e expressões de adoração. Um dia até capturei uma cena, na ponta dos olhos, em que um menino lhe dava um urso de pelucia, quase se declarando para ela. E ela, é claro, o negava. Não podia atestar com certeza o conteúdo de suas palavras, mas podia falar com certeza que eu consegui ler em seus lábios carnudos a palavra "amigo" ao menos umas três vezes. E, de quebra, ver o rosto quebrando em decepção do outro. Aquilo me fez rir e ter pena. Ao mesmo tempo, tenho que admitir que me impressionava com a coragem dos meninos. Um a um, eram negados. Dia após o outro, eles insistiam, mas mesmo assim, nada de um avanço significativo em questões de intimidade com ela. Minha vergonha nunca me permitiria nem ao menos lançar meu olhar ao dela, quem dirá chegar perto da mesma. Mas, por maior ironia do destino, foi assim que nos conhecemos.

Em um dos dias normais, quase no meio do segundo bimestre, sentei-me no meu banco de costume, sozinha. Apenas preferia comer assim, sem ninguém ao meu redor. Do outro lado da praça, ela estava sentada com as amigas, conversando e rindo. Eu, como sempre, a admirava, imaginando mil e uma coisas que poderiam estar falando sobre. Entre um riso e o outro, enquanto levava seu cabelo para trás da orelha, seu rosto levantou-se e a linha de sua visão penetrou diretamente a minha. Imediatamente minhas pupilas se dilataram, como se eu tivesse sido injetada naquele mesmo instante com uma dose cavalar de heroína e todo o meu corpo entrou em modo de alerta que não entraria nem se apontasse uma arma para meu rosto. Não sabia o que fazer e em um susto, meu rosto movimentou-se para o lado bruscamente. Nem ao menos a sutileza de fingir que eu não havia percebido eu consegui ter. As bochechas rosaram imediatamente e implorei a Deus que ninguém me notasse naquele momento. Que aquela olhada tivesse sido sem querer ou que ao menos causaria o mesmo efeito nela. Alguma coisa. Qualquer coisa. Naquele instante, meu hobbie de passar os dias olhando para ela estava comprometido. Eu havia sido pega com a faca e o queijo na mão e não havia mais para onde correr.

E foi com uma enorme surpresa que, ao levantar o meu rosto, eu a vi em minha frente. Seus olhos piscavam, curiosa, como se estivesse em frente a um rato de laboratório novo para dissecar. E, com a voz um tanto grave que não parecia combinar com seu corpo raquitico, ela me chamou.

— Oi. 

Laura.Where stories live. Discover now