As promessas de que guardariam o meu segredo eram o suficiente naquele momento. Eu confiava na palavra de Vincy, Melany e Lana, por mais que as vozes em minha mente dissessem que aplicar tanta convicção nisto seria um grande erro. Até que ponto elas estariam ao meu lado? Se precisassem salvar uns aos outros, eu estaria incluída nesta lista? Ben havia sido claro: os anjos eram seus inimigos há anos. Dele, eu não esperaria nenhuma reação piedosa. Esta era a questão. Do inimigo nunca espera-se algo além de tortura. Em boa parte dos casos, as piores surpresas vinham das pessoas que menos esperávamos.
Depois de horas de conversa, elas cederam ao cansaço e dormiram. Eu estava esperando que elas fizessem isso o mais rápido possível — não por detestar os tantos assuntos dos quais falavam, mesmo que de certa forma eu os odiasse. Isto era perdoável. O maior problema era que meus tantos pensamentos estavam saltitando no cérebro e me levando à loucura. Meu pai estaria planejando algo, contratando novos espiões, enquanto eu estava em uma caçada que poderia ser um grande fracasso. Ele riria de minha falta de capacidade se soubesse.
Debocharia de meu martírio, também. Cada trecho da carta de Luke ecoava em minha mente, torturando-me com a maior carga de arrependimento já conhecida na Terra. Marise era apenas uma amiga da época de dias melancólicos. Esta era sua versão. Todavia, o que ela diria para mim? Sua confirmação seria instantânea, ou não? As dúvidas me cercavam por todos os lados. Detestar o desconhecido, era apenas mais uma das situações em que quanto mais eu detestava, mais eu atraía situações detestáveis — e vivia cercada de tudo aquilo do qual eu realmente não suportava. Que maravilha.
Para completar o tormento, minha mãe estava programada e decidida a me ignorar. Não importava o quanto eu a chamasse e implorasse para que aparecesse, ela simplesmente não surgia. Enquanto eu rolava o corpo no colchão, meus últimos chamados eram emitidos. Vamos, vamos, responda.
Não adiantaria, era inútil.
— Ok, já que quer assim...
Olho para Vincy que está com os olhos fechados, embalada num sono profundo e invejável. A verdade é que enquanto dormissêmos, nenhum mal nos atingiria. Enquanto permanecessêmos nos sonhos, toda a realidade desapareceria e poderíamos viver de acordo com nossos mais secretos desejos. Dormir seria bom. Dormir seria o adequado para aliviar as tensões daquele dia turbulento.
Dormir era o que eu mais queria. E justamente o que eu não conseguiria ter.
➳
A manhã seguinte estava sendo tão desagradável quanto o ambiente já dizia que seria. O restaurante do hotel era minúsculo, espremendo uns contra os outros com aquelas mesas redondas e mal distribuídas. Eu queria privacidade.
Malcom não deixava de nos observar com sua testa constantemente franzida, mesmo nos primeiros instantes do dia. Eu afirmaria que ele gostaria de dizer algo, se não fosse por sua postura de indiferença. Se eu o achava estranho, esta perspectiva estava apenas aumentando.
— Ovos no café da manhã? — Vincy mostra a língua. — Quem come ovos no café da manhã? Eu quero um grande pedaço de bolo de chocolate!
Os seus escândalos jamais cessariam. Vincy estava chamando a atenção dos poucos hóspedes para nossa mesa, fazendo com que Lana se encolhesse. Ela mataria nossa parceira assim que fosse possível.
Malcom se aproxima de nossa mesa, e volta o seu olhar pra mim de novo. Pela milésima vez nos poucos minutos que sucederam.
— Pois não, senhorita? — seu olhar então recai sobre Vincy. — Não está satisfeita com o nosso cardápio?
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