Luke

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Q U I N Z E  A N O S
A N T E S

2015

Uma das coisas que eu aprendi naquele dia foi: camiseta de banda, coturnos, flanela e lápis de olho era uma péssima combinação para se usar na igreja. O pessoal todo foi bem simpático, mas eles não conseguiram evitar os olhares enviesados, repletos de julgamento.

Senti uma pontada de irritação no peito enquanto nos dirigíamos até a fileira de cadeiras dobráveis para ouvir alguém qualquer falar sobre Jesus.

"Eles estão me olhando como se eu fosse o Diabo." resmunguei, me afundando no assento e colocando os pés na cadeira da frente.

Calum me observou de relance com a boca retorcida em uma careta.

"Bem, com essas roupas você não está ajudando também." ele se inclinou para perto de mim. "E o que é isso no seu olho? Maquiagem?"

Engraçado você falar isso Calum, pensei, nem parece que estava se vestindo igualzinho a mim até semana passada.

Mas, é claro que eu não disse isso para ele.

Suspirei, me afastando dele e cruzando os braços.

"Então, o Michael vem ou não?" perguntei.

Calum assumiu uma expressão nervosa, olhando ao redor.

"Ai, ele está ali." meu amigo levantou-se bruscamente, acenando. "Michael! Aqui!"

Não sabia ao certo se ele queria chamar a atencão de Michael ou se estava apertado para mijar.

E ele não parecia com a Ariana Grande. Infelizmente.

O garoto de cabelos brancos sorriu para Calum, aproximando-se. Ele parou em nossa frente com as mãos nos bolsos.

"Oi." Calum cumprimentou, ofegante.

Fiquei pensando se era daquele jeito que você ficava quando estava apaixonando. Como se o oxigênio do mundo tivesse acabado.

Se fosse, era uma merda. 

"Oi." respondeu. Então, virou-se para mim. Michael me analisou por um momento. "Você parece o Kurt Cobain."

Pisquei, sem saber o que falar.

Aquilo só podia ser uma piada, levando em consideração que o Kurt Cobain não era uma criança um pouco acima do peso, com várias espinhas, que usava aparelho e precisava de um corte de cabelo.

"Não pareço não." disse, por fim.

"Sim, parece sim. E muito." comentou.

Michael estava vestido todo de preto, o que fez com que ele ganhasse alguns pontos comigo. E agora eu não estava me sentindo uma aberração tão grande assim.

"Então, onde você vai sentar?" Calum perguntou.

Michael deslizou seu olhar de mim para o moreno preguiçosamente, e sorriu.

"Do seu lado?" arqueou a sobrancelha.

Meu amigo tentou conter o surto de felicidade.

"Pode ser." deu de ombros.

Parabéns, Calum. Por que dar um Oscar para a Meryl Streep se temos você?

O menino mais velho jogou seu corpo na cadeira do lado direito de Calum, sem me dizer mais nada.

Olhei para frente. Nesse meio tempo, um homem tinha subido no palco e estava batucando no microfone.

"1,2,3, testando..." a voz dele ecoou pelo lugar. Pigarreou. "Acho que está funcionando. Boa noite! Vamos começar a sessão, tudo bem, pessoal?"

Todos gritaram em resposta, menos eu. As luzes se apagaram logo após.

Passei o restante da sessão sem trocar mais nenhuma palavra com Michael. Ele e Calum trocaram sussurros e risadinhas o tempo todo, imersos em algum tipo de universo próprio. E eu fiquei lá, de cara emburrada, tentando não morrer precocemente de tédio. 

No final do monólogo religioso, eu já estava preparado para me despedir de Michael e meter o pé daquele lugar.

Mas, ele resolveu que nos acompanharia até a saída. Enquanto Calum foi beber água, nós nos enterramos em um silêncio profundo, que eu estava mais que disposto em manter.

Por sorte, o garoto voltou rápido e disse tchau para Michael, o envolvendo em um abraço apertado.

"Até segunda." falou.

Até nunca mais, pensei.

"Até." o colorido respondeu. Virou-se para mim com um sorriso de lado. "Tchau, Kurt Cobain."

Bufei e me afastei dele com passos pesados. Os pontos que ele ganhou comigo pelas roupas pretas foram para a marcação negativa com toda essa palhaçada de Kurt Cobain.

Antes de entrarmos no carro da mãe do Calum, me inclinei para perto dele e perguntei:

"Como você consegue seguir a religião que sua mãe usa como desculpa para ser preconceituosa com você?"

Calum me observou por alguns minutos. Então, suspirou e arrastou os dedos pelo cabelo preto. Eu não sabia, mas naquele momento, quando ele me respondeu com o tom de voz cansado, eu tive um deslumbre do homem que Calum se tornaria, deixando o garoto ingênuo e sem opiniões para trás:

"A bíblia é um livro como qualquer outro. E livros têm interpretacões diferentes. A de minha mãe é uma delas, uma interpretação carregada de ódio. A minha é que Deus me amará além do meu gosto por garotos. Espero que eu esteja certo."

Ele estava certo.

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⏰ Última atualização: Nov 10, 2020 ⏰

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