Correntes

4 0 0
                                    

Ouço o frasco de remédio ir ao encontro do chão em um baque baixo, enquanto lágrimas de raiva e frustração desciam por minhas bochechas e não davam indícios de parar. Mais uma vez. Falhei mais uma vez.

Mexo a cabeça em movimento de negação, levantando-me da cama e pegando o objeto mais próximo-um vaso de flores sem importância-, arremessando-o contra a parede.

Observo os cacos de vidro espalharem-se pelo carpete, enquanto seu sorriso aparecia em minha mente, como flashes de uma memória distante e um grito animalesco escapa por minha garganta, fazendo com que eu socasse a parede mais próxima, sem importar-me com a dor de surgira segundos depois.

Angústia. Medo. Tristeza. Raiva. Como todos esses sentimentos conseguiram tomar conta de minha mente, fazendo com que meu histórico na internet contenha vários métodos de suicídio na aba de pesquisa?

Talvez tenha sido quando meus pais começaram a bater em meus irmãos mais novos para disciplina-los. Talvez tenha sido quando eles começaram a bater-me para que eu fosse um garoto comportado. Ou talvez tenha sido quando espancar os filhos por diversão tornara-se um lazer.

Logo eles chegariam do trabalho e a mesma rotina repetisse-se: gritar, culpar-me por tudo e pequenos tapas que acabam por tornar-se empurrões. Que se transformam em socos. Que acabam em chutes. Em cortes. Em sofrimento.

Eu já teria ido embora desse inferno se não fossem essas malditas correntes. Eu já teria ido embora se não fosse você.

As pílulas sempre estão ali: me chamando, como lobos uivando na noite escura e solitária. Todos os dias elas gritam, ansiando, implorando para descerem por minha garganta.

Tudo está pronto: as cartas explicando os motivos. As pílulas. Até deixei escrito para meu irmão mais novo que ele poderia ficar com minhas revistas em quadrinhos.

Só tem uma coisa que me impede, uma raíz tão forte que não me liberta, que não deixa com que eu vá.

Sempre quando penso em você, vacilo e simplesmente não consigo. Seu sorriso, suas brincadeiras bobas, nossas aventuras... tudo passa como flashbacks em minha mente. Essas memórias são tão boas que se tornam melancólicas, pois sei que um dia estará sorrindo para outra pessoa, sei que quando seu sorriso forma-se para mim como amizade, como uma grande amizade e que um dia ele não passará de memórias... Sei que um dia, você pertencerá a outra pessoa e eu serei só mais um amigo que passou por sua vida. A dor de estar acorrentado a uma pessoa que não está acorrentada a você é a pior de todas.

Queria apenas conseguir libertar-me de você, quebrar de uma vez todas essas correntes. Então, eu imploro-lhe: solte-me dessas amarrações para que eu, consiga subir para meu paraíso.

•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•

• Espero que tenham gostado :) •

ImaginationOnde histórias criam vida. Descubra agora