Ouvir: Don't Go-Bring Me The Horizon
—Você sabe que eu não posso mais ficar aqui. Esse não é meu lugar – ela disse, ao olhar para mim com seus olhos negros e profundos, brilhantes pelas gotas de lágrimas que caíam por seu rosto.
—Por favor... Não vá – eu insisti, respirando fundo, prometendo a mim mesmo que eu não iria chorar naquele momento – eu sei que você aguenta mais um pouco. Nós podemos superar isso juntos.
—Terei que ir amanhã – ela disse, por fim, abraçando seus joelhos. Estávamos sentados na calçada, em frente à casa dela, deixando toda a toxina dos cigarros em nossas mãos adentrarem nossos pulmões.
Um barulho de vidro quebrando-se interrompe o silêncio total da madrugada e, por estarmos tão acostumados com isso, nem nos assustamos mais. Sempre quando uma noite como essa acontece, com seus pais brigando e gritando como animais selvagens procurando por território, ela me liga e ficamos do lado de fora, fumando nossos cigarros ou colocando um álcool barato goela a baixo. Às vezes, no meio de todo esse barulho, eu só consigo soltar uma risada sarcástica e dizer "você tem sorte. Pelo menos eles ficam em casa e fingem que se importam".
—Você quem sabe – respondi, depois de uma tragada – mas pense em mim. Eu preciso muito de você.
Ela responde com um suspiro, que diz tudo que já sei. Eu realmente preciso dela aqui, ao meu lado, para tudo ser mais suportável. Sem ela, terei que arrumar uma outra desculpa para ficar fora de casa o dia todo. Sem ela, não terei com quem conversar, já que todos sempre estão ocupados demais com suas próprias vidas. Sem ela, não terei mais quem me ouvir. Não terei mais voz no mundo.
Meu celular toca no meio da noite, e meu coração dispara ao ver o nome na tela: é ela. Meus dedos tremem ao aceitar a ligação.
—Oi. Tá tudo bem? – pergunto, e ouço um suspiro no outro lado da linha, seguido de um som facilmente identificado como um choro.
— Você sabe que eu te amo, certo? – ela pergunta, e um sentimento de desespero toma conta de meu corpo. Não, não, não, não. Me levanto, colocando os sapatos de qualquer jeito e pegando a chave de casa.
—Eu estou indo até aí. Me espere.
—Desculpa. Eu estou indo embora e não há nada que você possa fazer – sua voz sai quase como um sussurro, embargada pelo choro. A noite está fria, e posso ver minha respiração sair de meu nariz através de uma fumaça. Lembro-me de que quando criança, eu achava isso divertido, mas agora, isso só me lembra cigarros, dando-me uma súbita vontade de fumar até morrer.
— Por favor... Não vá – eu digo, sentindo as lágrimas escorrendo por minhas bochechas. Ela não pode ir embora. Ela não pode – eu preciso de você. Por favor.
—Adeus. Eu te amo – essas são suas últimas palavras antes da ligação ficar muda. Acabou. Estou sozinho. Sinto minhas pernas tremerem e cederem, derrubando-me ao chão. Não faço esforço para conter as lágrimas, já que nada mais importa. Sinto a dor consumir meu corpo, alastrando-se por entre minhas veias e chegando ao coração, como alguém estive apertando-o com força, até que se restem apenas migalhas.
Os momentos que passei com ela aparecem em rápidas imagens em minha mente: seu sorriso quando eu conseguia fazer com que ela esquecesse dos problemas da tristeza; nossas brincadeiras infantis, que sempre davam mais uma história para relembrar; nossas conversas sobre a vida e o universo, que as pessoas julgavam como loucura. Isso nunca irá voltar, e agora, são e continuaram sendo apenas memórias de dois adolescentes que riam da morte.
O que irei fazer sem ela? Ela sempre foi a mais forte, mas foi a primeira a ir. Como seguir adiante se a única pessoa que tinha uma lanterna se foi, deixando-me sozinho na escuridão?
Chegou minha vez. Ando pelo cimento, logo chegando ao meu destino. Está completamente escuro e nem preocupei-me em trazer uma lanterna ou algo do tipo. Nenhum ruído além de meus passos são ouvidos. Escorrego por um declive, apoiando minhas mãos nas pedras que ali estavam.
Ando ao lado dos trilhos, olhando para o chão, refletindo sobre minha partida. Meu coração anseia tanto meu reencontro com ela, que duvido que sentirei alguma culpa ou dor por ter ido. Deixar toda essa vida de problemas para trás. O que existe no fim da linha? É isso que irei descobrir agora que o trem está chegando. Observo sua luz aumentar cada vez mais, e com o sorriso dela em mente, atiro-me em direção aos trilhos.
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Imagination
Short StoryApenas histórias escritas por uma pessoa marcada pelos acontecimentos da vida.