Capítulo 1 - Nicole

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Nunca entendi qual era o propósito disso. Pessoas que normalmente nunca conversariam aqui fora, se reunindo em um cubículo quente que nem o inferno — ponto pela ironia Nicole — para repetir palavras que elas nem ao menos prestam atenção e por fim, escutar um velho com tendências pedofilas falar versos antigos cujo o verdadeiro significado, tenho certeza que não é entendido.

As cinzas do cigarro cai na minha coxa a queimando e me despertando dos meus desvaneios. Estou sentada no chão, atrás da igreja do lado de fora, ouvindo as lamurinhas dos hipócritas que estão lá dentro. Meus pais acreditam que estou junto, sentada no fundo, ou sabem que a filha de 17 anos está aqui fora enchendo o corpo de nicotina. Mas quem se importa?

— Ei, quer da licença do meu lugar? — Uma voz me repreende.

Ergo a cabeça e vejo uma garota aparentando ter a minha idade, morena dos cabelos parecidos com os de uma estrela do rock e olhos verdes desafiadores, que me encaram com desconfiança.

— Desculpa… — Falo olhando para a parede a procura de algo. — Eu não encontrei seu nome aqui…

— Boa tentativa forasteira. — Ela diz dando ênfase na palavra que me chama, soltando uma risada curta e se aproxima de mim, me dando um chute fraco na lateral da perna para que eu me afastasse.

Movo-me para a esquerda dando a garota o espaço pedido e ela se abaixa apontando duas letras cravada na madeira velha.

— W. E? — Leio soltando a fumaça pelo nariz. — É você?

A garota ergue uma sobrancelha me dando um meio sorriso de quem diz "não é óbvio?", se sentando ao meu lado e em seguida, tira uma garrafinha pequena de whisky do bolso da sua jaqueta de couro.

— Wynonna Earp, satisfação. — Ela toma um gole e ergue a garrafa para mim.

— Nicole Haught, arrastada para essa merda… — Dou de ombros. — Sem ofensas. — Completo pegando a garrafa da sua mão dando um gole tímido.

Sinto o líquido descer queimando minha garganta e deixando meus olhos levemente lacrimejados. Faço uma careta e me seguro para não tossir, posso até ser uma fumante, mas bebida não era meu forte.

— Não, está tranquilo. — Ela revira os olhos movendo as sobrancelhas e pega a garrafa de volta para dar outro gole. — Concordo com você, se não fosse minha irmã eu dava um fora desse lugar de merda.

Acendo outro cigarro e trago analisando Wynonna. Ela estava com uma expressão de raiva, mas seus olhos demonstravam tristeza, o que me faz deduzir que essa garota deve carregar alguns demônios dentro de si, assim como eu...

— Você vive aqui há muito tempo? — Pergunto para quebrar o silêncio desconfortável após soltar a fumaça pela boca.

— Minha vida inteira… — Ela da um suspiro desanimado. — E você, o que te trouxe a Purgatoryshit? Nunca te vi por aqui.

Uma boa pergunta. Que porra eu fazia nesse fim de mundo?

Era uma longa história, uma história que eu não queria pensar agora, por isso opto em lhe dar a resposta mais vaga que pude criar na hora.

— Pais idiotas. — Digo em um tom casual ao tirar meu boné e balançar meu cabelo ruivo curto para desamassa-lo.

— Esses são os piores… — Wynonna pisca para mim e dá mais um gole, o que me faz rir.

Conversamos bastante sobre muitas coisas. Descobrimos que temos pouco em comum: ser o desgosto da família, ter a raiva acumulada e a enorme vontade de mandar todos para a casa do caralho e sumir. De resto somos bem diferentes na personalidade: Wynonna demonstrou ser uma porra louca completa, eu prefiro fazer as coisas na minha, não chamar atenção. Ela diz que já pegou metade da cidade, catalogou praticamente 15 garotos com seus defeitos e qualidades, já eu…

— Então amanhã é seu primeiro dia de aula? — Ela pergunta após eu dizer que me mudei nesse fim de semana.

— Infelizmente, tenho que ao menos saber quais são as aulas que vou ter para saber quais vou faltar no dia seguinte. — Respondo em tom de brincadeira e ela me acompanha rindo.

— Só cola em mim que você brilha. — Wynonna me cutuca com o cotovelo. — Você é das minhas ruiva, meio sonsinha, mas dá pra fazer parte do meu squard de ódio ao mundo.

— Obrigada pelo elogio. — Reviro os olhos sorrindo. — Quantas pessoas têm nesse squard?

— Até agora… — Ela começa a contar nos dedos. — Eu e… Eu. — Sorri e damos outra gargalhada.

O barulho dos sinos da Igreja soam interrompendo nossa descontração e logo os "fiéis" aos poucos saem, seguindo cada um para suas vidas de pecados disfarçados.

— É, a Diversão acabou Forasteira. — Wynonna diz guardando sua garrafinha de volta no casaco. Forasteira... Ela só me chamou assim durante toda a nossa conversa.

Dou de ombros lamentando e pego meu último cigarro, guardando a carteira no bolso da minha calça jeans.

— Garota... Isso vai acabar te matando aos 30 anos. — Wynonna comenta fazendo uma careta.

— Quer mesmo falar sobre morrer aos 30? — Ergo uma das sobrancelhas e aponto para seu bolso onde a garrafa agora vazia, estava guardada.

Wynonna dá uma gargalhada curta e aponta para mim como quem diz "me pegou" e eu acendo o cigarro dando de ombros, aceitando a vitória.

De repente, uma garota chega correndo afobada até nós. Assim que meus olhos batem na moça engasgo com a fumaça do cigarro, me fazendo dar algumas tosses para desengasgar. Eu a encarei hipnotizada. Aqueles olhos verdes trazendo um olhar dócil apesar da expressão de desespero, brilhantes por conta do sol que a iluminava, os cabelos ondulados e soltos, um pouco mais claros que os da Wynonna, voavam por conta do vento batendo em seu rosto trazendo ate mim o cheiro de lavanda do seu shampoo… Ela parecia um anjo.

— Wynonna vamos logo, a tia Gus tá quase vindo. — Ela diz em um tom desesperado. — Se ela te pegar de novo aqui você está frita! — A Garota lança os braços para o ar  — Frita!

Eu não consigo tirar meus olhos dela. Tudo nela parecia meigo e delicado, seu sorrisinho nervoso ao me olhar de canto de olho, seu vestido branco florido que lhe passava a imagem de alguém inocente... Podia Deus te-la a enviado para me pregar uma peça pelas blasfêmias que cometi?

— Ah, ótimo! — Wynonna resmunga. — Vai na frente que eu já te alcanço. — Ela balança a mão expulsando a garota.

— Wynonna!!! — A menina bate o pé com urgência.

— Que saco Waverly, eu já estou indo! — Wynonna diz se estressando.

— Eu não sei por que ainda tento. — A menina diz fazendo uma cara fofa de emburrada…

Waverly, esse era seu nome… Waverly.... Waverly, Waverly, Waverly... Tão lindo… Tão linda…

— É melhor eu ir antes que a minha irmãzinha tenha um piripaque. — Wynonna tira um canivete e começa a gravar algo na parede atrás de mim para depois se levantar. — Nos vemos amanhã forasteira.

Ela me dá um tchau e se afasta correndo em direção da sua irmã. Fiquei observando as duas irmãs enquanto tragava aquele ultimo cigarro, olhando especificamente a mais nova, elas conversavam algo, até a irmãzinha olha para mim de volta fazendo o meu coração parar, quando ela sorri na minha direção e acena.

Precisei soltar a fumaça rápido para não engasgar novamente, para então cenar de volta com um meio sorriso antes delas irem embora. Levanto-me e olho curiosa para o que Wynonna escreveu na parede de madeira e rio ao ver ali um "N.H" ao lado. É, acho que talvez eu possa tirar algo de bom dessa cidade.

Just The Way You AreOnde histórias criam vida. Descubra agora