Memória Zero: Como Cheguei Aqui.

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O ponto é que: eu não sabia. Não houveram dúvidas, nenhum peso de prós e contras. Houve apenas uma decisão, uma escolha que me levaria à única trilha que eu podia caminhar. E eu estava nela.

Eu acordaria como nos outros dias, me vestiria como outrora e tudo pareceria caminhar em direção a rotina de sempre. Iria estudar, trabalhar, talvez encontrar Laura durante a tarde e me distrair antes de retomar o foco e voltar morto de cansaço para meu lar. A noite prosseguiria tranquila enquanto sonharia com formas geométricas que me lembrariam pessoas ou sentimentos e no dia seguinte tudo se apagaria e daria lugar ao borrão do olhar recém-desperto.

Seria mais uma dia normal, apenas mais uma noite.

Se não fosse o fato de acordar no chão, sem nada ao meu redor.

Primeiramente o tato que acusou, pois sentia frio e rigidez contra meu braço direito no lugar do conforto de uma cama. Depois, com a visão, notei que realmente não estava na cama, mas no chão de madeira fria de meu apartamento. Estava nu e minhas roupas não estavam em lugar algum do quarto, que estava totalmente vazio, sem mobília, quadros na parede ou iluminação no teto. Até a porta havia sumido, deixando uma passagem aberta para o corredor. O cômodo estava completamente vazio.

Levantei e fui em disparada para a entrada, tropeçando em minhas pernas. Sai do meu quarto e o estranho continuou a me acompanhar quando notei que a inexistência dos meus pertences se estendia para todo apartamento. Senti uma forte tontura e escorei na parede para não desfalecer, lentamente deslizando as costas na parede até me sentar. Havia apenas o silêncio entrecortado pela minha respiração trêmula enquanto tentava recordar-me da noite anterior.

Memórias. Memórias eram tudo que restavam daqueles móveis que um dia preencheram aquele apartamento, e era o que eu explorava, tentando compreender o que acontecia. Mas as memórias, além de vagas e fúteis, eram distorcidas por uma névoa cinza de confusão. Não havia vida naquelas memórias, perdia-se algo que lhes trouxesse movimento, clareza, mas eu não sabia dizer ao certo o que.

Aquelas paredes agora pareciam brancas demais sem os outros móveis. Duras demais. Solitárias demais.

A noite passada era um branco em minha mente e nada que eu lembrasse escapava da rotina clássica do dia-a-dia: acordar, banho, café, ônibus, metrô, faculdade, metrô, trem, trabalho, trem, ônibus, casa, jantar, assistir seriado, ler, alimentar o gato...

O gato.

- Júpiter? - O menor som era ecoado pelo vazio da casa, mas não havia resposta ao meu chamado. Tentei mais uma vez - Bichano, cadê você?

E o apartamento continuou em silêncio sem resposta do animal de pelo branco e amarelo que vivia comigo. Não podia acreditar que tinham levado até ele. Mas o que é um gato para alguém que furta portas? Eu estava sozinho e procurava qualquer sentido, qualquer lógica por trás deste acontecimento, mas não havia razão nenhuma nem qualquer forma para que tudo fosse retirado de meu apartamento sem consenso, e ninguém jamais poderia fazê-lo de forma tão silenciosa e limpa a ponto de não me despertar e nem deixar marcas. Eu olhava para todos os cantos em busca de uma resposta, de uma dica do que acontecera durante a madrugada.

E então, ao olhar para a porta de entrada (a única que tinha sido poupada), eu vi uma caixa. Era cúbica, com uns 50cm de altura e não possuía nada escrito nas laterais de fora que eu pudesse identificar. Chegando mais perto, foquei minha atenção em busca de um som que pudesse vir do interior, mas não havia nenhum ruído sequer. Assim, sentei-me ao lado e abri a caixa com a delicadeza de quem desarma uma bomba.

Dentro havia uma muda de roupa composta por uma camisa branca, uma calça jeans desbotada, roupas de baixo, meias da mesma cor da camisa e, por fim, uma jaqueta marrom de couro sintético. Abaixo de tudo isso havia um cartão retangular no qual em um verso estava escrito a frase:

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