Memória Dois: A Noite Que Acordei Chorando

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Eu estava me debatendo, lutando contra mim mesmo para abrir os olhos e escapar daquele pesadelo. Meu corpo suava durante a luta e se revirava na cama. Minha boca estava fechada com os dentes cerrados enquanto eu murmurava por socorro naquele sonho ruim.

Tudo era tão real em maio ao devaneio que suspeitava, aterrorizado, de que ele poderia até ser real. O sangue tinha sabor ao respingar em meus lábios, os berros eram intensos e pareciam ecoar em meu quarto e os machucados ardiam de verdade em meu corpo. Eu precisava sair, eu precisava despertar antes que aquele pesadelo me dominasse e causasse dores que ultrapassassem a barreira entre sonho e realidade. Entre os movimentos bruscos de meu corpo e meus murmúrios de socorro, eu finalmente consegui despertar.

Mas o que acontece quando o corpo e a mente continua em devaneio? Pois apesar de estar acordado, de olhos abertos e cheios de lágrimas, aquelas imagens ainda eram reais para mim. Eu ainda via o sangue, ainda ouvia os gritos, ainda sentia as dores. Meu corpo estava paralisado e tudo ocorria na minha frente como um filme que eu não podia pausar e nem deixar de assistir.

Comecei a gritar de medo e desespero, ainda me debatendo por dentro, mas sem conseguir mexer meu corpo por fora. Gritei por ajuda enquanto minhas lágrimas caiam pelo rosto e meu nariz escorria em um fluxo ininterrupto. O ambiente escuro e sem contornos servia perfeitamente para projetar o meu pesadelo na minha frente, como uma grande tela de cinema.

Minha mãe entrou apressada no quarto ao ouvir os berros e nesse momento a paralisia cedeu, deixando meu corpo todo mole. As lágrimas acumuladas sobre os olhos escorreram pela lateral do meu rosto e o choro continuou enquanto eu respirava ofegante e sem ritmo. Minha mãe sentou-se ao meu lado na beira da cama e me acolheu com seu abraço, perguntando o motivo de meu choro. Eu, uma criança de apenas sete anos, frágil diante a todas aquelas imagens, abracei com força o corpo de minha mãe para que ela não fugisse, para que ela não sumisse e saísse de perto de mim, pois senão estaria em perigo. Todos eles estavam em perigo, ela, meu pai, minha irmã, meu irmão, todos foram vítimas e todos precisavam de proteção.

Minha mãe me deu sua mão e como já era próximo da manhã, me levou até a cozinha, onde começou a esquentar a leiteira e aquecer uma frigideira para fazer um pão-na-chapa para mim. Fui me recompondo com o tempo, voltando a respirar profundamente e soltando o ar de forma bem tranquila. Mais calmo, consegui contar a ela de meu sonho. Consegui descrever claramente como vi uma criatura negra como a noite atacá-la e atacar a todos da minha família, até chegar em mim. Mas no momento que ela ia me atacar, no momento em que sua boca se direcionava para me atacar, eu... Eu...

Ela disse para mim naquela manhã que sonhar com mortes era algo bom, que significava transformações para todos aqueles envolvidos. Falava como se meu sonho fosse profético, como se algo realmente fosse mudar depois dele. Pode até ser ela estivesse certa na época, mas aquelas imagens das mortes jamais saiu de minha mente.

Na noite seguinte, dormi com a luz do abajur ligada, para afastar a escuridão.

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