Visão Zero: O Lado de Fora

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A primeira coisa na qual reparei foi o céu: colorido, com um azul matinal que se encontra apenas nas primeiras horas do dia, quase que cinza. O orvalho das flores liberava um cheiro adocicado no ar, evocando hortelãs e camomilas, e um vento frio batia no meu rosto, raspando-me as bochechas de leve. O carro que tinha me deixado na noite passada naquele penhasco estava parado no mesmo local onde havia estacionado, e lá dentro o homem de branco me olhava, sempre fixo e inexpressivo. Apenas após isso que consegui perceber com detalhes as figuras que estavam à minha frente. Seus rostos, corpos e formas familiares vinham-me como um refúgio de paz após o tempo quase que infinito andando por aqueles corredores.

- Você demorou, meu filho.

Minha mãe, meu pai, Laura e até eu mesmo vestíamos branco. Um casaco curto e estreito e uma saia longa brilhavam com as primeiras luzes da manhã. Não soube em qual momento que minhas roupas também mudaram para um conjunto de sapato, calça, camisa e um manto, todos pálidos. Ao lado de minha mãe, Laura sorria.

- Achamos que você nunca mais ia sair daí de dentro!

- Mas o que aconteceu? Acabou? Quero dizer, eu estava... estava perdido lá dentro, procurando vocês, e agora do nada eu saio e vocês estão aqui... É isso? Ou melhor, o que foi isso tudo?

- Sim, meu filho - Meu pai vestia um paletó pálido com uma gravata vermelha. Muito elegante, mais do que de costume - Você conseguiu passar pelo desafio que eles haviam programado para você!

- Mas como? A única coisa que fiz foi correr pelos corredores e me ficar em pânico! O que aconteceu lá dentro? O que foi tudo aquilo que eu vi?

- Não importa mais, querido! Essa casa é um labirinto, algo que não nos cabe compreender, e o seu desafio era ter a coragem e persistência para continuar andando pelos corredores.

- Coragem? Eu quase enlouqueci lá dentro!

- E o que isso importa agora? - Laura, de todos os três, era a mais graciosa de todos, com um vestido curto de alças e rendas nas bordas. - Vem logo, vamos sair desse lugar! Os outros estão te esperando!

- Todos estão salvos?

Sorrindo, feliz por ter resgatado, sabia-se lá como, meus parentes, comecei a descer os degraus da varanda daquela casa esquisita e cheguei ao gramado alto. Continuei andando, hora olhando para baixo, para meus pés, hora olhando para Laura e meus familiares, procurando o sentido em tudo aquilo. Enquanto corria, o vento batia contra meu rosto e trazia-me os aromas de todo o bosque, enchendo-me de alegria. Não pude deixar de sorrir para Laura quando ela me deu aquele sorriso animado que ela sabia que preenchia todo meu coração. Todos estavam salvos agora e todos me esperavam! Tudo voltaria ao normal e eu faria questão de visitar mais os meus pais e amigos, de passar mais tempo com Laura e até mesmo cuidaria melhor de Júpiter, para que ele fosse o gatinho mais feliz desse mundo! Eu tinha vencido o desafio que aquele homem de branco tinha colocado a minha frente. Aquilo havia acabado e eu passara pela provação para resgatar minha família. Fixei meu olhar no de meu pai e levantei a tranca da portinhola para atravessar a cerca. Vi minha mãe, em seus trajes de pérola, avançando para me abraçar e a envolvi nos meus braços, sentindo o cheiro de seu cabelo perfumado. Meu pai veio logo depois, me abraçando e dando batidas nas minhas costas, rindo daquele jeito abafado que ele ria. Lágrimas vinham-me aos olhos por estar abraçando aquelas pessoas depois de imaginar que podia perdê-las para sempre, ficando preso dentro daquela casa infernal.

Mas quando Laura vinha me abraçar, dei meia volta para fechar a portinhola da cerca da casa, e ao fazer isso, o grito desesperado de Laura ecoou em minha mente. O susto que levei fez com que eu puxasse rápido a portinhola enquanto me virava, fazendo-a bater na cerca, fechando o trinco com o impacto.

Todo o ambiente ao meu redor se escureceu, e minha vista falhou diante dessa transição. Foi como se alguém tivesse desligado o sol, como se o tempo tivesse retornado para a noite anterior. Quando dei por mim, não estava mais em um espaço aberto e minha mão segurava uma maçaneta ao invés de uma tranca simples de cerca. Haviam paredes ao meu redor, um assoalho de madeira velha abaixo e um teto acima de mim. Eu estava dentro da casa novamente.

Ou será que na verdade eu nunca havia sumido? Aquilo fora um sonho, um pesadelo, uma ilusão? Meu pai não era real, nem minha mãe, nem Laura. Eu estava apenas em mais um quarto da casa, e o vento frio entrava por uma abertura alta na parede direita, oferecendo um clima gélido ao ambiente. Era noite, mas eu não saberia dizer se ainda era a mesma noite na qual havia entrado na casa ou se já estava nela há meses...

Pisquei rapidamente diversas vezes, firme e forte, torcendo para que em algum momento eu voltasse para aquele cenário externo, onde tudo estava resolvido e minha família estava sã e salva. Mas esse momento não vinha, e eu tremia por ter sido enganado de forma tão fria. Meu corpo demorou instantes para conseguir se virar para enfrentar o que havia atrás de mim. Estava preparado para mais portas, para mais corredores, mas não via mais nenhum sentido nisso. Eu continuava perdido, sem avanço nenhum, apenas com mais uma ilusão em minha mente. Mas para minha surpresa, o que havia no outro lado do cômodo não era mais um corredor.

Era um espelho.

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