🎶Playlist Um - Prólogo🎶

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Quarta-feira, ou como eu carinhosamente a apelidei, Dia do Psicólogo.

Peguei a camisa mais sem-graça que havia no meu guarda-roupa, coloquei a calça mais sem-graça que vi pela frente e puxei de debaixo da cama o sapato mais sem-graça que veio. Parti o cabelo para o lado mais sem-graça e penteei-o com um pente cinza, velho e desgastado. Eu poderia comprar um pente novo, mas não tinha a menor vontade para isso.

Uma das coisas que fazem com que eu me sinta bem são rotinas. Elas fazem parecer que o tempo nunca passou, como se cada dia fosse uma reprise do meu episódio preferido da minha série preferida, do qual nenhum dos dois existia, já que eu não gostava nem de séries, nem de filmes e nem de livros.

Mas uma coisa havia quebrado a minha comum e monótona rotina: como eu havia dito, hoje é quarta-feira, o Dia do Psicólogo. Sempre que eu saio de casa, o porteiro – Charles – me recebe com um sorriso e me dá um dos únicos Bom-Dias que importam. Charles já é um senhor de idade, com seus fortes 87 anos, viúvo, mas nunca o vi faltar um dia sequer de trabalho, exceto quando sua esposa acabou falecendo - ele nunca contou o motivo.

Bom, o problema é que, hoje quando eu desci até a portaria, Charles não estava. Provavelmente por conta de sua idade, deve ter ficado doente, ou algo do tipo. Pobre Charles. Eu gosto dele, ele é um bom porteiro. Cuidou de mim desde que eu era pequeno.

Não podia ficar lamentando, já que daqui à um tempo eu teria minha consulta com a Doutora Allison, então simplesmente segui minha vida em frente.

Mesmo caminho monótono até a psicóloga. Mesma rotina. Mesmo transporte: Uber.

O consultório também era outro que me fazia companhia, nunca fugindo de sua rotina. Sempre a mesma atendente, as mesmas pessoas, com um propósito igual ao meu: procurar uma solução para nossos problemas. E sempre a mesma temperatura: congelante. Nunca me lembrava de trazer um casaco. Talvez isso também fizesse parte da minha rotina.

Sentei em uma das brancas e desconfortáveis cadeiras que o consultório oferecia e fiz o que faço de melhor: ouvir uma música que represente como me sinto no momento repetidas vezes, esperando até ser chamado.

Não demorou muito para que a porta se abrisse.

— Nicolas? — a doutora me chamou, dando um pequeno sorriso, como sempre. Era um sorriso de dó. Não respondi, apenas pausei a música, enfiei o fone e o celular no bolso e segui ela até a sala.

Sempre achei a decoração do consultório da Doutora clichê, e não é como se eu não houvesse visitado muitos psicólogos. Os consultórios eram sempre frios à ponto de congelar alguém, e as salas eram sempre brancas à ponto de parecerem estar brilhando.

— Então, Nicolas — disse a doutora. — Eu sei que é difícil para você, mas preciso que me conte tudo do começo. Quero ver se tivemos algum avanço. Poderia fazer isso?

Apenas fiz que sim com a cabeça.

Eu não gostava de falar sobre aquilo, mas que mal faria? Provavalmente seria a última vez que ela me pediria isso.

Respirei fundo, contei até três.

E então comecei a falar tudo para ela.

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