Ele olhou para a própria mão, que continuava segurando o pequeno livro de capa de couro
verde.
— Vai pegar Coleridge de volta, ou devo ficar aqui eternamente nesta posição um tanto tola?
Silenciosamente, Tessa esticou o braço e pegou o livro dele.
— Se quiser usar a biblioteca — disse ela, preparando-se para se retirar —, pode ficar. Já encontrei o que estava procurando, e como está ficando tarde...
— Tessa — disse ele, estendendo a mão para contê-la.
Ela o encarou, desejando poder pedir que ele voltasse a chamá-la de srta. Gray. O jeito simples com que dizia seu nome lhe desmontava, afrouxava algo, feito um nó, que lhe apertava
as costelas, deixando-a sem fôlego. Queria que ele não utilizasse seu nome de batismo, mas sabia o quão ridículo soaria se pedisse algo assim. Certamente estragaria todo o trabalho de fingir ser indiferente a ele.
— Sim? — perguntou.
Havia certa melancolia na expressão de Will ao olhar para Tessa. Ela precisou de todo o
esforço do mundo para não encará-lo. Will, melancólico? Só podia estar fingindo.
— Nada. Eu... — Ele balançou a cabeça; fios de cabelo escuro caíram sobre a testa, e Will os afastou dos olhos com um gesto impaciente. — Nada — repetiu ele. — Quando lhe
mostrei a biblioteca pela primeira vez, você disse que seu livro favorito era The Wide, Wide World. Achei que devesse lhe contar que... eu li. — Com a cabeça abaixada, os olhos azuis a encaravam através daqueles cílios espessos e escuros; e ela se perguntava quantas vezes ele já
conseguira qualquer coisa que quisesse fazendo aquilo.
Ela manteve a voz educada e distante.
— E a leitura foi do seu agrado?
— Nem um pouco — disse Will. — Achei piegas e sentimental.
— Bem, gosto não se discute — disse Tessa, docilmente, ciente de que ele estava tentando incitá-la e recusando-se a morder a isca. — O prazer de uma pessoa às vezes é o veneno de
outra, não acha?
Seria imaginação de Tessa, ou Will pareceu desapontado?
— Tem alguma outra recomendação norte-americana para mim?
—Com que propósito você iria querê-la se despreza meu gosto? Acho que talvez precise aceitar que somos bastante diferentes na questão literária, assim como em tantos outros aspectos, e buscar recomendações em outros lugares, sr. Herondale. — Tessa mordeu a língua quase no segundo em que as palavras deixaram sua boca. Aquilo havia sido demais, ela sabia. E é claro que Will reagiu, como uma aranha saltando sobre uma mosca particularmente
apetitosa.
— Sr. Herondale? — perguntou. — Tessa, pensei que...?
— Pensou o quê? — O tom dela era frio.
— Que pelo menos pudéssemos conversar sobre livros.
— Nós conversamos — respondeu ela. — Você insultou meu gosto. E é bom que saiba que The Wide, Wide World não é meu livro preferido. É simplesmente uma história da qual gostei, como The Hidden Hand, ou... Sabe, talvez você devesse me recomendar algo, para que eu possa julgar seu gosto. Do contrário não é justo.
Will subiu na mesa mais próxima e sentou-se no tampo, balançando as pernas, obviamente pensando sobre o assunto.
— O castelo de Otranto...
— Não é esse o livro em que o filho do herói é esmagado até a morte por um capacete gigante que cai do céu? E você disse que Um conto de duas cidades era tolo! — disse Tessa,
que preferia morrer a admitir que tinha lido Otranto e adorado.
— Um conto de duas cidades — repetiu Will. — Li outra vez, você sabe, porque conversamos a respeito. Estava certa. Não é nada tolo.
— Não?
— Não — respondeu ele. — É cheio de desespero.
Tessa encontrou o olhar de Will. Os olhos dele estavam azuis como as águas de um lago;
ela teve a sensação de estar ali mergulhando.
— Desespero?
Com firmeza, ele respondeu:
— Não existe futuro para Sydney, existe, com ou sem amor? Ele sabe que não pode se salvar sem Lucie, mas permitir que ela se aproximasse iria degradá-la.
Ela balançou a cabeça.
— Não é assim que me lembro. O sacrifício dele é nobre...
— É a opção que lhe resta — argumentou Will. — Não se lembra do que ele disse a Lucie? “Se fosse possível... que você pudesse retribuir o amor do homem que vê diante de si,
jogado, acabado, bêbado, pobre criatura maltratada como bem sabe, ele estaria em sã consciência neste dia e a esta hora, a despeito da própria felicidade, e a deixaria arrasada, traria tristeza e arrependimento, iria arruiná-la, desgraçá-la, levá-la para baixo consigo...”
Um pedaço de lenha deslocou-se dentro da lareira, levantando uma chuva de faíscas, assustando os dois e silenciando Will; o coração de Tessa deu um salto, e ela desgrudou os olhos dos dele. Burra, disse a si mesma, silenciosamente. Tão burra. Lembrou-se de como ele
a havia tratado, das coisas que tinha dito, e agora estava permitindo que seus joelhos virassem gelatina por causa de uma citação de Dickens.
— Bem — disse ela. — Certamente decorou um bom pedaço. Impressionante.
Will puxou para o lado o colarinho da camisa, revelando a curva graciosa do ombro.
Tessa levou um instante para perceber que mostrava a ela uma Marca a alguns centímetros
acima do coração.
— Mnemosyne — disse ele. — O símbolo da memória. É permanente.
Tessa desviou o olhar depressa.
— Já está tarde. Preciso me recolher, estou exausta. — Passou por ele e seguiu para a
porta. Será que ele havia ficado magoado?, perguntou-se, mas em seguida afastou o pensamento. Aquele era Will; por mais volúveis e inconstantes que fossem seus humores, por mais charmoso que fosse quando estava bem-humorado, ele era venenoso para ela. Para qualquer pessoa.
— Vathek — disse ele, saindo da mesa.
Ela parou na soleira da porta, percebendo que ainda segurava o livro de Coleridge, mas
decidiu que era melhor levá-lo consigo. Seria uma boa distração do Códex.
— Como?
— Vathek — repetiu ele. — De William Beckford. Se Otranto foi do seu agrado — apesar de, pensou Tessa, ela não ter admitido isso —, acho que vai gostar.
— Oh — respondeu ela. — Bem. Obrigada. Vou me lembrar disso.
Ele não respondeu; permanecera onde ela o havia deixado, perto da mesa. Estava olhando para o chão, os cabelos escuros escondendo o rosto. Um pedacinho do coração de Tessa
amoleceu, e antes que ela pudesse se conter, falou:
— E boa noite, Will.
Ele levantou o olhar.
— Boa noite, Tessa. — Novamente soou melancólico, mas não tão desolado quanto antes. Ele esticou o braço para afagar Coroinha, que não acordou com o barulho da conversa nem
com o som da lenha queimando na lareira, permanecendo esticado na prateleira, com as patas para o ar.
— Will... — Tessa começou a dizer, mas era tarde demais. Coroinha soltou um miado ao
ser acordado e exibiu as garras. Will começou a praguejar. Tessa saiu, sem conseguir esconder o mais leve dos sorrisos.❤❤❤❤
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Frases e Trechos da Trilogía As Peças Infernais
General FictionConheça um pouco do mundo antes de Os Instrumentos Mortais e se apaixone pela história de As Peças Infernais. Para você que ainda não conhece ou não leu, recomendo que leia e pra você que já conhece, relembre um pouco das frases dos nossos queridos...