Vagalume.

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Japão, Tokyo. 04:00.





Quatro horas da manhã.

Novamente, quatro horas da manhã.

Que nostálgico.

Havia algo impedindo o sono do estilista naquele momento, mais especificamente... Tudo. Desde o momento em que Kiyama Tatsuya, seu namorado, e seu amigo Nagumo Haruya já não fizeram-se mais presentes ali em sua casa, ele mostrou-se abatido e confuso. Midorikawa permaneceu por um tempo, Clara também. Queria poder ligar para Reina, mas não a tiraria de seu conforto e descanso naquele momento, aliás, tinha a sensação de que Tatsuya já lhe diria tudo por si só, então sem avisar, Gazel jogara toda a responsabilidade disto para ele. Midorikawa saíra mais cedo sem lhe contar muitos detalhes, Clara insistiu em permanecer consigo percebendo que não se encontrava bem. A moça agora estava convencida em ajudá-los à desvendar sobre o passado de ambos os ruivos e apoiá-los no que fosse preciso, mesmo ainda alimentando a raiva aparente por Nagumo e o descontentamento quando tratando-se do suposto relacionamento entre ele e o seu melhor amigo, e aliás, esta inclusão de Kurakake Clara nos planos de Midorikawa deveria deixá-lo contente. Mas não. Não conseguia esboçar o mínimo sorriso que fosse, nem para esforçar-se para não preocupá-la mais do que já estava.

Então viu-se sozinho novamente. Deveria ter levantado-se, deveria ter ído banhar-se para tentar relaxar, deveria ter ido deitar. Mas passara mais de uma hora sentado ali, sem a mínima coragem de agir, enquanto seu olhar desfocado e disperso percorria pela mesa de jantar ainda posta, pelas cadeiras ligeiramente fora do lugar, pelas luzes acesas, pelo sangue já seco que decorava parte do chão exatamente ali, onde de repente Nagumo avançara, desferindo golpes no outro ruivo, ferindo-o de verdade. Pegou-se arrependido de não ter insistido para que Clara permanecesse ali consigo naquela noite. De repente, sua casa aparentara aumentar de tamanho e sentir-se só naquela imensidão lhe proporcionava calafrios inexplicáveis. Não havia barulho. Era somente o cheiro de comida percorrendo levemente pela casa, era o chão e o sangue, eram seus pensamentos que lhe torturavam um por um. Recordou-se de que haviam lágrimas molhando o chão por ali também. Vários pingos, no qual prestara atenção mesmo que não quisesse, mas que agora já não estavam mais presentes por secarem.

Doía. Cada mínimo detalhe doía.

Não sabia ao certo o que estava acontecendo, o que deveria acontecer e o que ele deveria ao menos tentar impedir que acontecesse. Era muita coisa à tona, muita coisa ocorrendo de uma vez só, muitas ideias, muitos poréns. De fato, era assustador. Provavelmente qualquer outra pessoa em seu lugar não sentiria o mesmo, e se sentisse, não aguentaria o quão ele estava aguentando-se de pé. Viu sua vida tornar-se uma mar de rosas, mas por um momento esqueceu-se que subitamente tudo aquilo iria desaparecer, mais cedo ou mais tarde. Aliás, esquecimento sequer seria a palavra correta para se usar no momento; estava tão imerso em seu sonho particular que, mesmo tendo o conhecimento daqueles pequenos detalhes na sua vida, achou que o melher era fingir que não existiam. Como ler a porcaria de um contrato, digamos assim; as letras maiores lhe importavam, mas o peso maior encontrava-se naquelas palavras minúsculas, malditas palavras minúsculas nos quais ele insistiu em ignorar como se fossem um mero detalhe descartável. E ele só fora lembra-se delas quando Clara entregou-lhe a foto que mexera tanto consigo em um passado não tão distante. Ele a observara aflito. Sentiu-se tão idiota ao ponto de querer encontrar-se com aqueles dois rapazes dos cabelos vermelhos e pedir perdão por ter sido tão desatento sabendo que não podia ser.

Eram muitas dúvidas e preocupações desde o momento em que viu Burn partir para cima do namorado. A conclusão de que provavelmente o rapaz estava sendo obrigado à participar de um relacionamento abusivo parecia não fazer o mínimo sentido, mas era essa a característica que todos os relacionamentos desse cunho possuíam. Era-lhe nojento, era-lhe desesperador, era-lhe algo do outro mundo, como um pesadelo, um terrível pesadelo. Novamente amaldiçoou-se mentalmente por ter sido tão desatento, recordando-se de que só percebera os hematomas no pescoço do amigo bem depois. Já era tarde demais. Queria que a conclusão tomada por Clara não passasse de um blefe, mas suas lembranças de um Nagumo Haruya extremamente emotivo e magoado com algo que ele não sabia pareciam ser mais do que o suficiente. Se fosse cem por cento verdade, há quanto tempo ele encontrava-se nisso? Por quanto tempo ele escondeu de todos? Quem era o rapaz? Quem sabia? De todas as indagações, as que envolviam Tatsuya eram as piores. Todas as vezes em que o nome do namorado aparecia-lhe em mente, era como se pedras fossem colocadas em seus ombros e pesassem ao ponto de deixá-lo exausto sem sequer mover-se. Odiava ver Burn daquele modo. Odiava ter noção do que o deixava daquele modo. Odiava imaginar que Kiyama Tatsuya tinha dedo nisso.

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