Capítulo 2

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Gostaria de comentar sobre minha época da faculdade. Foi quando ganhei meus poderes e, claro, dei meu primeiro beijo. E adivinha em quem? Se pensaram na Isis, erraram! Foi em outra garota. A Isis só surgiu em minha vida depois. Bem depois. Mais para o final dela.

A noite estava linda. Um céu estrelado com duas belas luas cheias. Minha aparência não havia mudado muito dos tempos do colegial. Apenas havia deixado a barba crescer um pouco a mais do que corriqueiro. Estava elegante com minha camisa social rosa claro, shorts branco e sapato mocassim caramelo. Caminhei por algumas quadras até chegar na residência de meu amigo. Era seu aniversário e, claro, por ser o garoto mais popular da faculdade, havia muita gente. Cheguei confiante juntamente com Charlie. Após dar os devidos parabéns ao Robson, o furão de quatro braços capitão do time de futebol americano, eu e Charlie nos reunimos na sacada do prédio com um grupo de amigos mais, digamos, próximos. Natalie, os irmãos gêmeos Isaac e Richard, Evelyn e Agatha. Respectivamente, uma criatura similar a uma borboleta fluorescente super colorida, um dragão azul de duas cabeças com cabelos multicoloridos estilo rastafári, um demônio peludo de cor vermelho vivo e, por fim, uma lesma de cor branca com bolinhas amarelas de bico de pato azul.

— Ela não para de te olhar. — Charlie disse-me o mais discreto que a bebida proporcionou fazendo Issac e Richard darem risadas.

— Também percebi. Eu andei treinando na laranja. — gargalhei fazendo Issac e Richard darem novamente risadas. Desta vez, ainda mais alta. Não havia como fugir da hipersensibilidade auditiva dos gêmeos.

Bebemos muito. Rimos muito. Não sei dizer como aconteceu. Foi tudo muito rápido. Meus amigos se entreolharam, cochicharam e dispersaram em um piscar de olhos. Uma coisa levou a outra e, quando me dei conta, estava beijando a Evelyn. No começo foi estranho por conta de seus dentes afiados e sua língua bifurcada. Mas logo me acostumei. Seu corpo peludo me aqueceu.

— Estou me sentindo diferente. Meu corpo está quente. — eu disse olhando em seus olhos amarelos.

— E tem algo se mexendo em suas partes baixas. — ela disse sorrindo ajeitando sua saia verde me deixando ainda mais desconsertado.

— É algo que não consigo controlar. Culpa sua. — sorri malicioso. Foi então que, do céu, depois de aproximadamente 2 anos desaparecido, Pinça surgiu.

O barulho foi ensurdecedor. A gritaria, generalizada. Todos corriam para lá e para cá. Sem rumo. Pinça surgiu com sua velocidade desumana dilacerando aos montes. Corpos e sangue multicoloridos picharam o chão e as paredes. O show de horrores fora instalado. Corri de encontro a ele enquanto todos fugiam. Por anos lutamos. Por anos fora uma luta difícil. E desde nosso primeiro impasse, no alto da Ponte da Torre, venci. Mas desta vez ele parecia mais forte. Mais animalesco. Grotesco. Um instinto selvagem e agressivo. Com minha mente, criei uma armadura do material mais duro da Terra além de um par de asas brancas. Aproveitei e conjurei uma espada dourada. Estava parecendo um anjo.

— Vou fazer um ensopado de você! Venha me pegar. — gritei como pude enquanto voada ao seu encontro. Pinça não perdera tempo e se lançou de fronte. Suas garras abriam e fechavam no ar enquanto eu desviava como podia. Minha espada tentava finalizá-lo, mas, por vezes, fora protegido por sua carapaça.

— Arhhhh Uhrrrr... Irhhhh. — aquele ser bufava e babava enquanto me atacava.

Para deixar a cena emocionante, por que não uma canção para esta ocasião? Nada melhor que It's My Life do Bon Jovi. Com seus minúsculos olhos negros, Pinça olhou para um lado e para outro assustado com o que ouvia. Aquela canção estava em todo lugar. Aproveitei de seu descuido e cortei uma de suas patas. E mais outra. E outra. E quando cortaria mais uma, fui surpreendido por sua garra dilacerando uma de minhas asas fazendo-me ser lançado para baixo. Uma coisa que acabei não informado era que, sempre que criava algo, precisava de pelo menos 52 segundos para recuperação do meu dom e posterior nova utilização.

O sabor de sangue não me incomodava. Já a dor... a dor era sufocante. Latejante. No mínimo, uma ou duas costelas quebradas. O ar faltou e arquejei. A tonteira deu início. Chacoalhei para lá e para cá a cabeça na tentativa de recuperar a consciência. Respirei fundo. Escorei minha mão direita sobre o joelho e me impulsionei até ficar totalmente ereto. Mas fora tardio demais. Pinça não perdera tempo e com um impulso estrondoso surgira em minha frente transferindo um poderoso golpe. E mais outro. E outro. E outro. Tentei chutá-lo, mas suas garras prenderam meu pé e, após alguns chocalhões, me lançou para longe. Por sorte, se isso pode ser chamado de sorte, parei graças a um veículo estacionado. Pobre carro.

A luta se intensificou quando a chuva deu início. Foram vários golpes e contragolpes. Golpeava de cima para baixo seu encefalotórax, de baixo para cima, chutava, voava, construía lança foguetes, escudos, enfim, tentei de tudo. Sempre quando estava prestes a vencê-lo, um estranho som agudo surgia drenando minhas energias. Pinça estava poderoso. Eufórico. Invencível. E o som agudo ficava cada vez maior sobressaindo inclusive meu amado Bon Jovi. Mas isso não parecia incomodá-lo e, com imprudência, Pinça aproveitou de um desses momentos e me atacou com sua guarda aberta. Foi seu maior erro e o momento que eu precisava. Com a palma de minha mão, criei uma espécie de lança transferindo um golpe mortal em sua estrutura alargada e ovalada, isto é, seu ponto mais vulnerável, o centro da região ventral.

Pinça ainda momentaneamente tentou contra golpear-me, mas suas garras logo afrouxaram-se e tombaram. Aquele ser que por anos causou desgraça e desordem, finalmente sucumbiu.

O zunido então cessou. O silêncio voltou a reinar. Respirei fundo aliviado. Meu corpo doía. A chuva, intensificado. Mas toda aquela paz não perpetuou por muito tempo. A carapaça de Pinça começou a se mover e remexer como se desse início a uma ecdise. Por fim, estourou liberando dezenas de centenas de filhotes. Ajoelhei-me. Não que eu tenha desistido. Longe disso. Mas o barulho agudo voltara e, desta vez, ensurdecedor. Tampei como pode meus ouvidos, mas aquele som superava a barreira imposta pelas minhas mãos e perfurava meus tímpanos.

— O que está acontecendo comigo? — gritei — Essa dor. Meu peito dói. Tudo dói. Não está certo. — arquejei e tonteei — Minha visão está turva e, o ar, desde quando ficou tão denso? Preciso me recompor. Me levantar. — tentei de toda forma, mas o corpo, meus movimentos, simplesmente não respondia. O desespero iniciou-se. Por fim, meu corpo relaxou e tudo se apagou.

PROLIFERAROnde histórias criam vida. Descubra agora