queime o cemitério maldito

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NO DIA EM QUE ELIZE NÃO MORREU

        O triturador de ossos da Frigorifica Prescott deveria ser desligado todas as noites, mas o funcionário responsável por aquela função estava doente e, como ninguém mais sabia mexer na máquina além dele, acabou que o motor irritante funcionou até o dia amanhecer.

        Sorte para Scott J. Adams, que precisava se livrar de um corpo naquela noite.

      Ou talvez fosse quase sorte, porque o fábrica ficava um pouco longe de onde Elize estava morta. Ele teve que deixar o carro para trás devido ao estado em que ele se encontrava, e carregar um corpo por metade da cidade não foi uma tarefa muito fácil. Principalmente por causa do machucado que Scott tinha no braço direito. Elize era a culpada por aquilo, por sinal. Foi a última vez que ela o machucou antes de morrer.

       — Droga de garota pesada! Como ela consegue ser líder de torcida?

        Mesmo com o carrinho de supermercado o ajudando a mover o corpo, Elize parecia uma pedra grande e pesada que se recusava a cooperar. Enquanto Scott descia a avenida Manning com o som do ferro ecoando pelas lojas fechadas, ele só conseguia pensar que deveria ter arrumado outro jeito de lidar com a situação. Matar Elize agora parecia ter sido o maior erro de sua vida. 

         Quer dizer, ele a odiava. Mas a amava também. Não era só porque brigavam mais do que transavam que a relação deles poderia ser classificada de uma forma negativa. Ele nunca quis que as coisas tivesse alcançado aquele nível, aquela situação. Scott nem por um momento quis que qualquer mal acontecesse a Elize, por mais que tivesse dito uma ou duas vezes que queria matar a garota de cabelos ruivos mais irritante de Westwood.

         Mas talvez não fizesse mais diferença, àquela altura.

         Se Scott um dia a amou, aquilo deveria ser esquecido. Só serviria para ajudá-lo a ser capturado quando encontrassem o corpo — se encontrasse o corpo —, e ele não perderia a sua vida trancado em uma cela de prisão por causa de uma vadia da Califórnia, isso era um fato.

       Por outro lado, Adams não conseguia tirar os olhos do casaco de pele que cobria o corpo, lembrando de Elize e seus cabelos ruivos, os olhos verdes e o sorriso sempre pintado de um tom rosa escuro feito para provocar qualquer pobre alma de Westwood.

      Ela faria falta, sim. Não só para ele e não só de uma boa maneira. Todo mundo se perguntaria onde Elize poderia ter ido após aquele jantar de gala da família Prescott, mas nem todos iriam realmente querer saber. A maioria nem iria se importar. Só procuraria por um motivo para poder comentar, para poder esparramar veneno a respeito de uma pessoa que todo mundo secretamente odiava, sem admitir.

        O carrinho trepidou sobre o chão de paralelepípedo da entrada da fábrica de carnes, acordando Scott para o fato de que haviam finalmente alcançado o seu destino. Quando ele olhou para baixo, tinha as mãos trêmulas. Em um impulso quis espiar Elize uma última vez, verificar a sua pulsação com aquele raro fio de esperança crescendo no peito. Mas não seria possível que ela estivesse viva. Não depois do que ele havia feito para ela.

      Scott deu a volta pelos fundos da fábrica, estourou a corrente do cadeado com um pedaço de ferro e subiu com o Elize até o segundo andar, onde ficava o triturador. Então, puxando-a pelos braços, vendo o vestido Prada de seda rasgar em alguns pontos, balançou o corpo no ar e o jogou para baixo.

      Elize atingiu as hélices com o rosto para cima, encarando o teto da fábrica com os olhos verdes abertos. Seus lábios estavam pintados de vermelho pela primeira vez na vida, tudo graças ao compromisso importante que ela tinha naquela noite (o marco de tudo, infelizmente, e o motivo de ela estar morta).

       De qualquer jeito, Elize continuava bonita.

       Bizarramente bonita.

        Menos quando as hélices finalmente pegaram seu tornozelo e puxaram o corpo para dentro do triturador, espirrando sangue para todos os lados. Os braços e o tronco começaram a ter espasmos por conta do tamanho da carga, e o rosto de Elize foi pintado de vermelho tão rápido que Scott nem viu acontecer. Ele fechou os olhos. O som dos ossos sendo esmagados reverberava pela fábrica vazia três vezes mais alto do que de fato era.

      Naquele momento, Scott se afastou, pegando o carrinho e o casaco de pele que havia usado para enrolar o cadáver de Elize e descendo as escadas até o térreo, longe do barulho e da visão dos ossos sendo esmagados.

       Ele saiu da fábrica e usou o caminho pela floresta atrás dela para adentrar a mata, levando consigo todos os pertences ensanguentados que havia retirado do corpo de Elize.

       Embaixo de uma árvore, protegido pela floresta, Scott juntou tudo em uma pilha e tacou fogo, vendo o casaco de pele queimar junto com suas calças e sua blusa.

       Ele estava só de cueca no frio da noite, mas não sentia nada. Nada mesmo. Começou a até a imaginar se tudo não passava de um sonho, porque era a única explicação para o seu comportamento anormal, digno de um daqueles pesadelos onde sabemos exatamente o que está acontecendo até que precisamos acordar e encarar as dúvidas sorrateiras.

      Mas não, não era um pesadelo. Porque o dia veio, clareando a floresta, e ele ainda estava de cueca quando espalhou as cinzas da fogueira pelo ar e voltou pela mesma trilha que havia usado para chegar ali.

      Quando entrou na avenida Manning, olhou para o céu de Westwood e sentiu como se a cidade estivesse lhe agradecendo pelo feito daquela noite. Como se as árvores, as ruas e as nuvens sentissem que Elize não estava mais por perto, que o demônio de saltos vermelhos havia ido embora para sempre, sem nunca poder voltar para importunar as almas indefesas daquele lugar.

      Naquele momento, talvez, alguém estivesse rindo de Scott J. Adams, porque no fundo até ele sabia que nunca poderia se livrar de Elize Prescott, não completamente.

      E certamente não para sempre.

...
CONTINUA

N/A: EAEEEEEEEEEEEEE

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N/A: EAEEEEEEEEEEEEE

Ainda acham que Elize é vítima? Ou será que ela fez alguma coisa de ruim pro Scott???

aceito teoriassss hahahaa

ah! e eu fiz uma playlist para Queime Tudo no Spotify. É só procurar o nome da história por lá <3

beijão!

Queime Tudo (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora