Seria indelicadeza?

153 10 2
                                    

 Seria indelicado mandá-la embora? Veja bem, ela está vindo sem me avisar com antecedência e eu sou bastante sistemática quanto a isso. Será que se eu pedisse carinhosamente ela não viria?


Isso é uma droga! Eu deixei claro da última vez que ela veio: "Não volte mais, você só complicou minha vida!". Tá, não foi com essas palavras, mas ficou subentendido.

Seria eu egoísta por escolher permanecer como estava?


Calmaria e constância, me dou bem com isso. Não sou o tipo de pessoa que gosta de receber visitas, digo, a visita dela. Eu não quero ela aqui mexendo em tudo, bagunçando aqui dentro, xeretando onde não foi chamada. Ela é intrusa demais para mim.


Lembro-me como se fosse ontem. Ela apareceu um dia sem dizer quem era, disse que não tinha lugar para ficar e eu, de bom grado, aceitei que ficasse por alguns dias, mesmo sem conhecê-la.


No começo, parecia que era o jeito dela, acomodada e irritante, mas depois percebi que aquilo só era a ponta do iceberg. Começou a invadir meu espaço, tomar conta de tudo, como se fosse dela, e eu deixei sem nem me dar conta. Ela era/é muito persuasiva, eu diria autoritária de um jeito gentil até.


No final das contas, ela queria tudo para si. Já havia arquitetado desde o início, iria se passar por outra para ganhar tempo enquanto tomava posse de tudo que eu tinha. Ela foi se achegando, pegando intimidade, a ponto de eu me sentir mal de colocá-la para fora. Mas chegou um momento que tive que fazer isso, ainda mais depois de descobrir que ela era uma farsa. Fez parecer que era alguém mas era outra pessoa. Mentirosa.


No dia que nós discutimos foi terrível, choros e lamentações. Apesar de tudo, eu já havia me acostumado com a sua presença diária e ela não queria ir, simplesmente. Eu disse que seria melhor assim, que nunca nos daríamos bem e, então, ela saiu, impetuosa e muito orgulhosa. Alguns dias depois recebi algumas mensagens dela pedindo para voltar, mas pedi que não mandasse mais e assim fez.


Até anteontem.


Ela me mandou uma mensagem dizendo que já estava a caminho e...


Só um momento. Ela chegou.


- Voltei! Sentiu saudades de mim!? Nossa, eu tenho tanta coisa pra te contar!- Ela entrou e jogou as malas no chão. - Visitei tanta gente esses dias que você não faz ideia... Mas é tão bom voltar aqui, me sinto tão em casa... - Ai, meu Deus. Ela não para de falar. - Como anda as coisas em casa? A família? Os amigos?


- Oi.


- O namoro? A religião? Sua vida como cidadã? Seus ideais e conceitos?


- Por que você fala tão rápido e sobre tantas coisas ao mesmo tempo?


- Querida, nós não tempo a perder... Mas, enfim, quero que me conte tudo. - Ela deitou no sofá com os pés em cima da mesa de centro. Como eu odeio que ela faça isso.


- Bom, você sabe, tudo na mesma...


- Nossa! Você não muda mesmo, a mesma monótona de sempre. Temos que dar um jeito nisso já! Nessa casa também, tá tudo tão sem graça! - Ela olhou em volta.


- Eu gosto assim.


- Você tá muito por fora! Precisamos repaginar tudo aqui! - Por que ela só fala gritando? Está me dando dor de cabeça...


- Tudo bem, depois nós vemos isso. - Droga.


- É assim que eu gosto! - Me abraçou tão forte que doeu.


- Ah... Quanto... tempo você pretende ficar dessa vez? É que eu tenho umas coisas pra resolver e...


- Ah, querida, não se preocupe comigo, finja que não estou aqui! - Mais fácil eu passar um camelo por uma agulha do que fingir que ela não está lá. Ela só fala gritando e não para de perguntar por um segundo sequer.


- Tudo bem então... - Meu Deus, de novo não.


Enquanto ela falava sem parar, comecei a escrever no computador, fingindo que estava trabalhando. Pensando em uma forma de mandá-la embora de novo.


- Você vai acabar quando aí?! Tô entediada já! - Ela já tinha mudado todos os móveis de posição da sala.


- Estou quase... - Continuei escrevendo. Ela apareceu no meu quarto e começou a falar e mexer em tudo.

- Nossa! Aqui tá tão sujo! Você devia limpar mais seu quarto! O meu não é assim, eu... - Eu olhava para ela mas não conseguia ouvir nada além de blá-blá-blá. - sempre cuidei muito das minhas coisas. Você anda muito acomodada! Precisa sair e conhecer mais gente, quem sabe melhora um pouco esse seu jeito! - Não vou aguentar isso de novo. - Tão chatinha! Parece uma velha. - Ela riu. - Devia melhorar esse seu senso de hu...


- Chega! Vai embora da minha casa agora! Sai daqui! - A empurrei.


- O quê!? Quem você pensa que é pra fazer isso comigo, sua inútil! Você é uma idiota, bem que me falaram!


- Vai emboraaaaaaaaaaaaaaaaaaa! - Eu já tinha a empurrado até a sala.


- Quem você pensa que é?! Você é um lixo! - Ela queria me fazer sentir mal por eu ser boa comigo! Como assim!?


- Se sou tão lixo por que vem me visitar!? - Peguei suas malas e joguei do lado de fora. - Vai embora!


- Bem que falam que você é horrível! Desse jeito vai acabar sozinha! - Eu continuei empurrando. - Por isso que ninguém te suporta e te quer por perto! Sua ridícula!


- Dane-se! Vai para o raio que o parta, Ansiedade! - Fechei a porta.


Nunca pensei que conseguiria respirar melhor com a porta fechada, mas enfim tenho ar novamente.  

Minha visão sobre ansiedadeOnde histórias criam vida. Descubra agora