Não, se existia ele não sabia da sua existência. Era singular a sua condição e nem ele mesmo sabia disso, nunca ninguém teria perdido um miserável segundo para lhe contar sobre si, sobre o que ele era e ela não tinha conhecimento, não tinham compaixão de alguém que não se conhecia, de alguém que não conhecia um elogio, de alguém que conhecia a feição dos outros mas não conhecia a sua, o quão egoísta todos os outros podiam ser.
Caminhava então pelas beiras da sua janela, olhava para todos os que em baixo desta brincavam e conviviam, perguntava-se, mais do que uma vez ao dia, qual seria a sua singularidade, parecia ter um buraco na cara e nada mais, como se depois do seu rosto houvesse uma imensidão de segredos, nem ele mesmo sabia como via, visto que ao parecer, os seus olhos não existiam porque ninguém olhava para estes. No seu reino nenhum espelho era visto, e era graciosamente curioso ele mesmo saber da sua existência, nunca lhe tinha sido apresentado um, tinha sido mantido até à época sem conhecer a sua identidade; via as suas roupas e outras partes do seu corpo, mas não conhecia o seu rosto. Gostava de se chamar o "sem-face" porque acreditava que não a tinha, nunca tinham elogiado a sua feiura ou beleza, nunca comentaram a cor dos seus olhos , então simplesmente acreditava que não tinha.
Desceu da beira da sua janela, que se encontrava perto da sua cama, e decidiu descer as escadas, ia sair do castelo. Estava destinado, hoje, a conviver, e assim o tentou fazer. Caminhou até perto de um grupo e disse um simples "Olá", não foi bem recebido. As pessoas mais uma vez olhavam para o seu rosto como se houvesse algo para além dele e fazia-se sentir um silêncio de como se ele não estivesse lá, não tardou a sentir-se de novo deprimido, não havia empatia recíproca, e saiu dali, desolado. O seu caminho por sua vez o levou para a praia, não sabia como lá tinha chegado mas tinha-o feito. Aproximou-se da água e reparou que esta refletia o céu, as aves e as nuvens, sentiu-se abençoado e com medo. Se esta refletia tudo, iria com certeza refletir a sua face, se a tinha, e ele não estava preparado. Foi com um pé à frente do outro, bem devagarinho, e sentou-se à frente desta, e com um grande suspiro, fechou os olhos e aproximou o seu rosto desta, quando abriu os olhos, não viu a sua cara. Viu papéis, viu caixas e fios, viu tudo menos o seu rosto, a água que refletia tudo agora nada refletia, e no lugar da sua cara flutuava um papel preto. Fechou mais uma vez os olhos e deixou as lágrimas caírem em cima do mar, para que este ficasse mais límpido, mas nada aconteceu. Aceitando a derrota, de que nunca iria conhecer o seu rosto, deixou-se entrar no mar no meio do lixo, deixou-se boiar até afundar, deixou que o lixo tornasse o resto do seu corpo em nada, como era a sua face, a face que pensava conhecer.
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Faceless - #PlanetOrPlastic
ContoHere is my submission for Planet or Plastic contest. "The sea could be my face." 18/03/2019 - #28 Facelesa