Aterrissagem

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Serena acordou com a voz do piloto avisando que iam aterrissar.

Em seus fones de ouvido e em som bem baixinho, ainda tocava Rex tremendae de Mozart. Tinha colocado em looping porque sua mente só parava ouvindo Mozart. Era sua ilha serena em meio ao caos. Era sua paz diante do trabalho insano que tinha pela frente. Depois de vinte horas de voo tudo o que queria era um banho longo e dormir, mas estava atrasada e tinha que ir para a reunião antes que pudesse descansar.

Saiu do avião ouvindo sonolenta os agradecimentos das aeromoças e continuou assim até pegar suas malas e ir para o setor de taxis. Estava em Seul. Estava lá para o trabalho que jamais imaginou que teria em mãos, mas que ainda assim a enchia de orgulho. Iria compor para um dos mais famosos e influentes grupos de música pop atual. Depois disso teria todo o aval e dinheiro para compor seu próprio álbum... Seu desejo infantil, trazer o latim para o pop contemporâneo.

Mas para isso precisava realizar aquilo magnificentemente. Faria aquele álbum em inglês como se fosse sua última música, seu último suspiro, sua última chance. Comporia como Mozart em sua última obra, mesmo em seus últimos segundos rabiscando notas precisas em papéis gastos... Ela faria daquele álbum o que Mozart fez de seu réquiem.

"Queremos algo que una o hip hop caraterístico deles com o som profundo que produz. Esse tem que ser o melhor álbum, tem que ser genial, arrasador. Faça do primeiro álbum americano do BTS uma explosão de vendas e terá o seu próprio. Eu juro"

Aquela frase ainda ressoava em sua alma como um juramento sobre uma lápide. Universal Music tinha o dinheiro que precisava, só tinha que fazer o que Simmons desejava, algo que ficaria por semanas no topo das mais tocadas. Tinha que dá o primeiro lugar à eles, tinha que fazer acontecer...

Seu celular tocou enquanto olhava as avenidas passarem preguiçosas pela janela do taxi.

— Como se sente em terras asiáticas a melhor compositora da minha vida?

Sorriu ao ouvir a voz do avô rouca e divertida.

Ele era um simples senhor que agora passava grande parte dos dias jogando dama com os amigos aposentados, mas que a ensinou tudo o que sabia sobre música, sons, vida. Sem ele, jamais entenderia tudo por trás das harmonias... Sem ele, seu quadro existencial seria cinza e pálido.

— Em um céu igual, mas sem as nuances das montanhas. E como está o lorde da minha vida?

— Sobrevivendo de macarrão instantâneo e tangos antigos. Mas não pense em meu estômago de pedreiro e sim em sua missão do outro lado do mundo...

— Composição...

— A melhor, você é a melhor, meu pequeno canário genial.

Um pouco do sono e cansaço passou ouvindo o apelido delicado.

Serena era nômade como o avô, nascera em uma terra, morara em tantas outras e aos vinte e seis anos falava mais línguas do que seria racional para um ser humano, mas sua mente era adaptável. Neta de um regente, filhas de músicos errantes, afilhada de dançarinos... Era tudo menos adepta de um lar. Agora quase todos tinham partido e restara ela e o avô. E a pequena cabana nas montanhas para onde ambos fugiam quando o barulho da cidade invadia a alma necessitada de silêncio e sons de vento e pássaros.

Uma vida longa regada a amores para seu avô, tragédias para seus pais, separações para seus padrinhos e muitas viagens em uma vida breve para ela.

Mas no fundo tudo o que queria era colocar para a eternidade todos os sons que ressoavam em sua alma. Seu álbum, seu suspiro, menos de uma hora condessado em um pequeno disco e toda a eternidade então. Se aqueles sete coreanos estariam entre ela e a eternidade, então ela faria que não estivessem. Tinha estudado as obras do grupo no último mês, tinha trocado muitos e-mails com o líder deles e o manager do grupo, tinha as informações, agora precisava da alma e então faria aquilo real. Faria do álbum único e estupendo. Faria como um compositor fazia com a última obra da sua existência. Faria dele divino.

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