O término aconteceu três anos atrás, desde então nunca mais vi Lisa, Jane ou qualquer de nossos amigos em comum. Nós dois achamos que estávamos melhor assim, cada qual no seu caminho, mesmo que essa história não tenha final feliz ou um brinde com champanhe. Viver se tornou dizer adeus a tudo e a todos. Amigos, amores, família, sonhos, um pesar que as coisas sejam desse jeito. Tudo se vai com o tempo. Escolhas se tornam renúncias e tudo o que nos resta é tentar aproveitar ao máximo esse pequeno sopro de vida, sem nem sabermos o que fazer. Cada ato consciente gera um erro involuntário, então prefiro beber minha cerveja enquanto assisto ao jogo sem ter o que comemorar.
Esse término me causou bons resultados: comecei a conhecer pessoas e lugares, mantinha a barba feita, comprei perfume, roupas e até troquei o carro. Escrevi um livro que me colocou novamente nos holofotes, mesmo sendo um livro sobre nós e mesmo tendo jurado que nunca mais tocaria no assunto e, bom, olha aqui um novo texto. Até virei manchete com esse novo trabalho.
Escritor dos sucessos "Alheio" e "Amor é um lento suicídio" renasce com um novo best-seller.
Tudo parecia estar bem. A vida prosperava, mudei de casa, fui para um apartamento maior, lancei um novo livro de poesias e comecei a rodar o país para fazer leituras em bares, universidades, festas particulares e qualquer tipo de evento. Então por que eu não estava feliz? Parecia me faltar algo, como se tudo isso não me preenchesse e essas coisas eram tentativas de buscar no mundo algo que falta no interior. Deixe-me acender outro cigarro.
Nesse tempo sem Lisa eu conheci diversas pessoas, mas todas elas pareciam ter o mesmo rosto, o mesmo cheiro, o mesmo nome, o mesmo calor. Viajei por quase todos os cantos do país e todas as ruas me eram iguais. Uma vida sem novidades, sem nada empolgante, mesmo tudo sendo diferente.
Recentemente fui fazer uma leitura em uma cidade de interior onde tem uma famosa universidade. Recebi a ligação em uma terça-feira, me pediu para viajar na semana seguinte. Compraria as passagens, me buscaria no aeroporto, reservaria o quarto de hotel e ainda ia me pagar por duas noites de poesia. Estava vivendo um sonho – pelo menos algumas pessoas pensariam assim. Aceitei e durante esse período escrevi alguns novos poemas para testar na leitura.
Nessa semana antes da viagem conheci Bárbara, uma jovem de 23 anos com cabelo castanho claro, lisos e compridos, chegando até o quadril. Tinha um corpo lindo e uma alegria que somente a juventude pode nos trazer, era contagiante e ao lado dela o mundo parecia um arco íris – ou pelo menos ela pensava assim. Nos conhecemos durante uma leitura em uma livraria no centro. Ela ficou me olhando fixamente, comecei a fazer o mesmo. Quando a leitura acabou, Bárbara veio até mim para que assinasse meu livro menos famoso, "Alma Negra". "Meu predileto", ela disse.
Ficamos conversando sobre literatura por horas em um bar. Eu estava bebendo mais do que devia ultimamente, para ver se assim me ocupava com outras coisas, mesmo sabendo que tudo é efêmero e logo eu teria que me ocupar com novas coisas passageiras em um ciclo sem fim. Ela decorou grande parte dos poemas do livro e recitava para mim. Era um saco ficar ouvindo tudo aquilo porque eu sabia o que tinha escrito, mas suas interpretações sobre cada um eram tão interessantes que a deixei falar. Uma pena que eu não realmente quis dizer tudo aquilo, apenas fui escrevendo sob o efeito do álcool.
Depois da bebedeira fomos para minha casa, mas não ela não parou de falar sobre meus livros. Nunca gostei de ser o centro das atenções, só tentava encontrar na escrita um amigo para conversar. Me sentia sozinho e tinha medo de ficar sozinho, por isso me enchia de pessoas que não existiam fora da imaginação. A beijei, ela correspondeu, mas voltou a falar sobre mim e como minha vida parecia ser alegre mas não passava de uma máscara que eu usava no dia-a-dia. Maldição, ela nem me conhecia. Fomos para a cama e o sexo foi o mais monótono possível. Nos faltava conexão.
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Superficial
Romanceum texto sobre a vida e quando olhamos para trás para encontrar nosso caminho. "um passo atrás às vezes é encontrar um eixo"