Capítulo 2

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1

 Noite

Letícia despiu a gabardina, a camisa e a saia. Pousou-as no chão e viu a água rodear a roupa.

 Faltavam os sapatos, perdera-os numa poça, achava. Ou partira os saltos, não tinha a certeza. Amanhã compraria uns novos (e também um carro, para juntar às despesas.) Amanhã seria um novo dia para compensar os males que fizera naquele.

 2

Madrugada

 Perdera metade da noite a ler os documentos computorizados, acompanhado pela lua; a chuva parara (milagre) e ouvia-se apenas os grilos. 

 Havia algo novo naquele emaranhado, sabia que sim. Algo que antes não vira e mudava todo o ato.

 O primeiro passo era abrir o caso. Mas com que desculpa o faria? Imaginava-se a inventar palavriado de treta ao superior, Tenho a impressão, ou talvez premonição, que depois de nove anos passa-se algo, não, sempre se passou, mas eu bebia cervejas e deitava-me no sofá, fechei os olhos bem fechadinhos. Porquê?, sempre foi um bom trabalhador, quieto, atento, esforçado; deixou tudo para trás, parvo - então, porque desistiu? Bem, estava apavorado. Com quê? Ainda estou apavorado. 

 E a conversa não fluiria mais, pois seria estranho. Faria figura de parvo, a Srª  Ávila era conhecida como a viúva canibal de crianças, nome idiota. Tudo por causa de um grupo de sabichonas que lhe deram o filho, o gordo e indolente Martim, para aprender a ler. O miúdo era mesmo lerdo, letras não eram consigo; só queria esfolar os joelhos e entrar em brigas. Quando a mulher se fartou e disse que o gordo e indolente Martim - mas que emagrecera quatro quilos e aprendera a escrever C, D, G e O (todas letras parecidas com a sua pança) - podia ter problemas de aprendizagem, as mães zangaram-se. Também gostavam de brigas e, por isso, inventaram nomes e boatos, espalharam-nos pela família e os amigos, que espalharam pelos seus amigos e vizinhança, que espalharam pelos seus colegas de trabalho, o senhor da bilheteira e o do comboio, que espalharam pelos seus amigos e família; como um garfo a enrolar esparguete, a piorar a situação.

 A senhora era vista, desde então, como agressiva para crianças... ora esta!, não tinha trabalho, um único cliente.

 Apesar de acreditar na sua inocência, tinha de admitir que a mulher era maluca dos carretos, não tinha ideias sólidas, escrevia coisas esquisitas, tinha um passado constrangedor.

 Elisa serviu-lhe um café, frio e intragável, como mijo com as doses de açúcar de duas embalagens inteiras de Chocapic.

- Tudo bem, chefe? - questionou intrigada com a pasta na secretária.

 - Uhmm... - respondeu sem desviar o olhar do trabalho.

 - Sinto-me bem por ter sido útil para a investigação, pensava que teria dificuldades em integrar-me no posto. Está a ser ótimo e há um restaurante mesmo aqui ao lado com sandes fantásticas.

 - Uhmm... - voltou a dizer, agora mais como um grunhido mal-disposto.

 - Então, é um madrugador? Esse caso deve ser um caso de pêras maduras, como se diz lá na minha terra, ou como dizia a minha avó. Se precisar da minha ajuda, sabe que pode contar comigo - ofereceu-se sorridente.

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⏰ Última atualização: Oct 17, 2020 ⏰

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