Prólogo

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1944


Eles diziam que estávamos presos aqui por causa da guerra. Mas, olhando em volta, não acho que nossa casa havia virado um hospício por causa das bombas que soltavam em outros lugares. Lugares distantes, que não nos ofereciam perigo. Não havia nada aqui, por que então nos atacar?

Já era o fim, diziam algumas pessoas. Pessoas aparentemente sãs. Não sei se eram realmente. Depois que minha casa virara um hospital para doentes mentais – "sobreviventes de guerra traumatizados" diria mamãe – não sei se eu conseguia confiar mais no que eu escutava. E muitos sussurros soavam. As paredes pareciam falar, às vezes.

"É amaldiçoada, a casa", meu irmão soprava no meu ouvido. Meus pelos se arrepiavam. Eu não queria dizer que via coisas a ele. Mas eram tão palpáveis às vezes. Algumas outras, parecia que a realidade que eu vivia ali era um fino véu no espaço tempo. Se eu o tocasse...

Ao menor dos pensamentos, Ele aparecia. Alto, imponente, braços tão longos e pernas enormes. Todo de preto. Rosto coberto. Ele dizia coisas sutis, perversas. Gente de outros lugares – de séculos atrás! – surgiam nas escadas, nos salões tão grandes que não usávamos. "Corra!", gritavam. Era nesse momento que eu acordava, acho. Ou pelo menos que eles sumiam. Eu nunca estava num lugar bom o suficiente para convencer de que tudo aquilo era real. Normalmente, consideravam sonhos esquisitos, reflexos do período de guerra. "Mas eu não vi nada da guerra", eu respondia aos meus devaneios. "Mas você nos viu", responderia um soldado aparentemente intelectual, mas que em sua cabeça matava nazistas e outras pessoas que matavam outras sem motivo algum.

Quanto mais a claustrofobia apertava mais eu me via sem saída. Não podíamos pisar no gramado, não podíamos olhar a luz do sol pelo lado de fora. Eu não lembrava mais da textura de uma árvore, não sabia mais como era o cheiro pútrido da cidade grande de Glasgow. A vida dentro de casa tinha cheiro de hospital, de morte e de morfina. Loucura. Talvez eu estivesse me tornado louca também.

Diziam que era contagiante.

Às vezes ficava impossível de respirar. Então eu corria para uma salinha gelada, com espelhos e plantas. Um dia fora um pequeno estúdio de balé, minha avó ou bisavó que o usava. Hoje, poderia ser facilmente confundido com uma sala de perícia médica das delegacias. Eu sentava ali, no chão, e olhava para frente, abraçando minhas pernas, tremendo de frio.

Ele normalmente aparecia ali. Por isso que eu não conseguia provar a ninguém que Ele era real. Mas eu não sabia se era, também. A impressão que eu tinha, ao olhá-lo com medo, era de conhecê-lo. Além de medo, meu outro instinto era raiva. Terror e raiva. Mas como lutar contra algo que te deixa aterrorizada, sem forças? Com Ele, vinham os sussurros, os gritos, as pessoas rodopiando pelo quarto com vestidos pesados de anáguas de ferro e enchimentos laterais. Presa, era como me sentia.

Uma vez eu gritei, pedi socorro. Ele olhou para mim curioso e disse: "por que não tenta se matar?". E eu tentei. Abri a janela. Lancei-me no ar.

Senti a dor da morte. Senti a vida se esvaindo.

Mas então eu reapareci no quarto. Inteira. Uma linha fina cicatrizada atravessava meu antebraço. Era rosada. Nova. "Toda vez que você tentar, uma dessas vai aparecer", Ele me explicou.

Depois de 20 cicatrizes, desisti de tentar morrer.

Origens - Pacto de SangueWhere stories live. Discover now