Capítulo Único

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Em minha cabeça, uma bomba relógio.

Em meu coração, a esperança de dias felizes, mesmo que poucos.

Em meu corpo, marcas da vida, da dor.

Eu sou um ser, mas não sei se posso ser chamado de vivo. Afinal, venho definhando a tempo, anos. E agora, tive a certeza de que estou com os dias contados. Que diferença fará? Não farei falta, de qualquer forma.

Estou começando a acreditar que a felicidade não esta longe. Pelo contrário, está perto. Só que ela é fria, monótona e abandonada, fora de todo o conceito criado. Aquela felicidade calorosa que te faz sorrir a toa é fabricada. A felicidade nem mesmo deve existir.

Quem sou eu pra opinar? Nunca fui feliz. E, pelo tempo que me resta, creio que nunca serei.


- "... Sinto muito, Ryan" - Claro que Doutor Lee sentia, todos sentiriam muito. Era deplorável, digno da pena mais vergonhosa.

- Tudo bem, doutor. Obrigado - Com um aperto de mão nos despedimos e eu deixei o hospital, com aquele diagnóstico em mãos.


Ridículo. Este era meu estado. Sozinho, fraco, abandonado e, agora, doente terminal. Novamente, ridículo.

Agora devo agradecer ao meu pai que, ao invés de me deixar uma herança após sua morte, me deixou uma doença hereditária.

Bastardo inútil.

Em vida, me deu apenas desgosto e dor. Em morte, me deixou uma doença que vai acabar com a minha vida. Filho da puta.

Mas não é como se eu tivesse alguma chance. Não é como se eu fosse fazer falta. Minha mãe mora com minha avó e meu avô, seus pais, em Iowa, bem longe daqui, e nem minha falta vai sentir. Meu pai está morto e, mesmo que vivo, não se comoveria com a minha morte. Meus avós não ligam pro único neto que tem, e eu não tenho muitos outros parentes. Apenas tia Glória, que é velha e sem filhos, e tio Adolfo, que nem se lembra do meu nome. Pois então, estou sozinho, abandonado.

Caminhei até meu apartamento pequeno, em que eu morava sozinho desde os meus 16 anos.

As ruas estavam desertas e apagadas. O fim de tarde era nublado e úmido, por conta da chuva antecedente. O dia estava frio, o que tornava tudo mais depressivo que o normal.

Não demorei a avistar o prédio antigo, mas conservado, em que eu vivia. Aliás, não chegava a ser um prédio, era como uma pensão, pois haviam apenas 5 andares, com seis apartamentos em cada um. Eu conhecia os moradores apenas de vista, nem me preocupei em memorizar seus nomes, os reconheço pelo número de seus apartamentos. No meu andar, além de mim, vivem o ruivo do 13, o magrelinho do 14, a velha chata do 15, os senhores do 16 e a morena do 17, eu sou o estranho do 18. Nunca sei nada sobre o que acontece por aqui. Agora, por exemplo, apenas sei que o apartamento de frente ao meu ficou vago, após o falecimento da moça que ali morava. Dizem que ela se matou, mas não me importei em tomar ciência do real motivo.

Caminhei até o elevador, que a qualquer momento despencaria por ser antigo demais, e o acionei, esperando-o descer até o térreo. Logo eu já estava no meu andar, que era o terceiro. Em passos lentos, andei até o meu apartamento, sem deixar de notar, ao que ali cheguei, que na porta a frente haviam algumas caixas fechadas. Já deviam ter alugado pra algum corajoso que não acreditava em fantasmas e que não temia o espírito da garota que morreu ali. Até uma lenda urbana sobre ela já criaram. Bobagem.

Abri a porta e adentrei em minha casa. Organizada e limpa, como eu havia deixado e do modo que procurava manter. Não que eu fosse paranoicamente organizado, mas eu sou preguiçoso ao extremo e acredito na teoria de que, se a casa estiver limpa e arrumada na maioria do tempo, ela demora mais a ficar suja e eu não terei de me esforçar tanto. Sentido tem. Lógica, nem tanto.

About BrendonWhere stories live. Discover now