Capítulo 1

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O dia tá como eu sempre gosto, chuvoso, frio e ventando bastante. Vou até a mesa e lá meu pai deixou a minha correspondência separada, enquanto passo os olhos pelas outras correspondências inúteis, como a do meu cartão, procuro a que mais estou ansiosa para receber e lá está ela. É difícil dizer o que estou sentido, um misto de sentimentos, me sinto nervosa, será se realmente consegui essa bolsa e ao mesmo tempo penso o quão incrível vai ser viver em Nova Iorque.
Vou correndo para o meu quarto abrir a carta com a minha irmã mais nova Babi, fizemos um trato que ela deveria ser a primeira a saber se eu iria ou não viver o maior sonho e maior aventura da minha vida.
Chegando no quarto ela está fazendo a tarefa de física, mas na hora ela larga os livros quando percebe o que eu tenho nas minhas mãos, ela parece estar mais confiante do que eu mesma, sempre invejei essa autoconfiança dela.
- Você ainda não abriu isso Sarah?
- Claro que não.
Não me sinto pronta para abrir, mas minha irmã diz.
- Independente de você ter ganhado a bolsa ou não você é foda viu mana e se eles não aceitarem você significa fica que eles não são bons o suficiente pra perceber a garota incrível que eles deixaram de oferecer uma bolsa.
Esse é incentivo que eu estava precisando. Começo a ler a carta:
Prezada senhorita Sarah Josefine Uchôa, ficaríamos honrados em recebe-la em nossa instituição e oferecer a senhorita um estágio em uma das maiores gravadoras de nosso país.
Assim que leio a última palavra eu e Babi começamos a dar gritinhos histéricos e a pular, colocamos uma música bem animada e dançamos, nosso pai bate na porta do quarto perguntando o motivo da nossa animação, eu explico para ele, não é  necessário que ele diga nada sei que ele está orgulhoso de mim e sei que a mamãe também estaria, ele me da um abraço e sussurra no meu ouvido:
- Sua mãe ficaria muito orgulhosa.
Sinto tanta a falta dela, foi muito triste ver minha mãe partir quando tinha 10 anos. Nunca vi meu pai tão triste até ver ele no enterro da minha mãe, demorou um tempo, porém o papai seguiu sua vida. A mais ou menos uns três meses ele se casou com a Fátima, ela era a melhor amiga da mamãe, foi ela que juntou os meus pais. Ela sempre amou muito eu e a Babi, desde que era pequena chamo ela de tia e considero ela como uma segunda mãe.
Fátima aparece com algumas compras na hora que meu pai me solta, Babi mostra para ela a carta e na hora ela vem me abraçar, também está orgulhosa de mim.
Eu faço o curso de música, quinto semestre pra ser mais exata. Minha irmã Babi está no último ano do inferno que é o ensino médio. Ainda temos o pequeno Olavo, ele tem muito nome de vô, na verdade ele é o caçula, filho da Fátima com ex-marido dela, ele é uma graça tem dez anos, só que nós tratamos ele como se tivesse dois. Enquanto estamos todos comemorando, ele ainda está na casa do pai, assim como o que foi decidido pelo juiz.
Tenho tanta coisa pra fazer em tão pouco tempo. Em duas semanas eu vou embora do Brasil, viver a grande aventura da minha vida. Não tenho muitos amigos com quem compartilhar essa notícia, entretanto compartilho ela com os poucos que tenho, marcamos de ir no bar essa noite e comemorar. Vou na cozinha e pergunto ao meu pai se posso ir e que horas devo voltar, depois de tudo resolvido e combinado, vou pro quarto e comemoro mais um pouco.
Já está na hora de me arrumar pra sair, Babi insiste em querer fazer minha maquiagem.
- Fala sério Sarah, você é péssima se maquiando.
- Bárbara, você sabe que eu odeio muita maquiagem e eu só vou encontrar uns amigos.
Sempre que chamo ela pelo nome e não pelo apelido ela sabe que não estou brincando, percebo que ela ficou chateada, então deixo que ela passe maquiagem na minha cara, nada muito pesado. Termino meu banho e logo sou puxada para que ela faça minha produção, separei minha calça jeans favorita e uma blusa dos Beatles.
Dou tchau para o meu pai e Fátima. Lá fora está Thaís me esperando, ela corre pra me dar um abraço, nunca vou entender como essa mulher consegue correr de salto. Conheço a Thaís desde o jardim da infância, somos amigas desde então. Ela faz o curso de jornalismo  na mesma faculdade que eu.
Chegando no bar lá  está o Tales, o Ronaldo e a Larissa. Thaís vive tendo uns rolos com Tales, nada oficializado, mas eu sei que no final vai dar namoro, conheço muito bem esses dois, conheci ele no primeiro dia de aula, ele era um veterano do curso de arquitetura, um verdadeiro metido. E os outros são um casal desde o primeiro ano do ensino médio, não consigo nem imaginar eles dois separados, Ronaldo cursa direito e a Lari pedagogia, ela é perfeita para curso que escolheu, ama crianças e é muito paciente.
Em vez de pedir nossa tradicional cerveja, pedimos um vinho e alguns aperitivos. Tales não resiste e faz um brinde.
-  A nossa grande amiga Sarah. Você merece tudo isso garota.
Todos no bar vibram pela minha conquista.
Dois caras que estavam numa mesa perto da nossa pagam um rodada para mim e meus amigos, até que eles são bem gatinhos, só que não são pro meu bico, vou ficar literal sentada esperando até que um deles chegue em mim.
Não lembro direito quanto eu bebi até agora, me sinto um pouco mais desinibida. Um dos bonitões está vindo pra nossa mesa e claro ele vai falar com Thaís.
- Oi Thaís e Sarah. Aposto que vocês nem lembram mais de mim. – quando ele fala isso reconheço na hora.
- Nando? – não acredito que ele. Não pode ser.
- Sim, sou eu Sarah.
- Você tá um gato – digo e em seguida me reprendo mentalmente.
- Você também tá muito bonita – ele dá um beijo na minha bochecha.
Ele foi meu primeiro namorado e único. Foi legal o tempo que passamos juntos, mas como toda pessoa normal ele tinha defeitos, que prefiro não me recordar.
Com medo que meus sentimentos sejam despertados, minha amiga agradece pelas bebidas e faz com que ele saia da nossa mesa. Da pra ver a tensão no ar e na mesma hora digo:
- Ele é meu ex-namorado. Não se preocupem, eu que terminei com ele.
Sei que a Thaís está louca para falar sobre o que aconteceu, olho pra ela como que pedindo para deixar esse segredo entre nós duas.
Olho no relógio e já está no horário que combinei de voltar para casa. Não sei dizer ao certo no carro de quem estou e quem está indo me deixar em casa, sinto muita vontade de vomitar e sei que estou deitada no colo de alguma pessoa.
Chegando em casa lá está Babi me esperando, ela me leva direto pro quarto. Quando deito na minha cama durmo como uma pedra. Na manhã seguinte acordo com muita dor de cabeça, nunca mais vou beber do jeito que bebi noite passada. Babi não está no quarto, então deve estar tomando café dá manhã. Pego meu celular para ver se tem alguma mensagem e tem só uma do Tales.
Tales: bem que você podia me agradecer.
Sarah: pelo o que?
Tales: caramba você não lembra nem que eu te deixei em casa.
Então era no colo dele que eu estava deitada. A porta do quarto se abre e eu me assusto, é Fátima, ela deve saber que fiquei bêbada ontem, pois ela está com um bandeja que tem remédios e meu café da manhã. Ela me entrega as coisas e diz:
- Eu te entendo bem. Já passei por épocas assim, só não deixe seu pai ficar sabendo ou ele vai ficar uma fera.
Meu pai nunca se importou com o fato de eu gostar de beber casualmente, porém a ideia de me ver bêbada não era nem um pouco aceitável. Essa é a primeira vez que isso acontece em anos.
Agradeço pelo café da manhã e pelos remédios. Tenho que ir na faculdade pegar meus papéis de transferência, vou deixar pra fazer isso depois do fim de semana. Hoje minha família decidiu se reunir para comemorar, eu disse que não precisava. Minha vó muito persistente conseguiu me convencer a celebrar de novo a minha conquista, dessa vez nada de bebidas alcoólicas.
Vovó é um senhora muito solitária, sua única família somos eu e Babi. Foi duro pra ela perder a filha e cinco anos depois perder o companheiro da vida. Ela costuma dizer que eu sou muito parecida com ele, ambos somos amantes da música, ele amava assistir filmes franceses, entre outras muitas coisas que ela cita, e segundo vovó a minha irmã é igual a mamãe, vaidosa, gostos parecidos e a qualidade que mais admiro em Babi e admirava na minha mãe a generosidade delas.
Vou atrás da roupa que usei na noite anterior para usar ela de novo, encontro ela no banheiro do meu quarto e está suja com vômito que acredito que seja meu. Levo ela pra área de serviço e a lavo. Procuro pelo meu armário por alguma roupa, nada parece ser bom o suficiente. Lembro que alguém me deu um vestido vermelho muito bonito e vou atrás dele nas roupas lavadas, lá está ele. A alça dele é bem fina, por isso coloco meu sutiã tomara que caia, passo rímel, um batom, blush e já estou pronta. Já Babi ainda está fazendo a pele, não tenho paciência para me arrumar.
Sou a primeira a ficar pronta, como sempre. Espero pelos outros na sala. Antes de irmos para casa da vovó vamos passar na casa do Henrique para buscar o Olavo, faz só um dia que ele foi pra casa do pai dele, e eu já estou com saudade desse pestinha. Tinha nove anos quando ele nasceu. Lembro de ficar esperando a tia sair da maternidade com ele nos braços. Bárbara só tinha sete anos e não sabia direito o que estava acontecendo, para ser sincera nem eu mesma sabia, pensávamos que seria nosso novo irmão. Lá estávamos nós, e no fim do corredor estava o nosso pequeno nos braços da sua mãe, eu o coloquei no colo e prometi a mim mesma nunca desapontar o Olavo.
Meu pai é o próximo a se juntar a mim na sala esperando, pouco tempo depois Fátima já está pronta. Após mais 20 minutos de espera, Bárbara está finalmente pronta. Em pouco tempo chegamos na casa do Henrique, a tia desce do carro e vai até a porta buscar o Olavo, ele está todo arrumadinho e está segurando um papel, que ele me entrega ao entrar no carro, é uma cartinha muito fofa com um desenho que ele fez da nossa família. A carta diz:
Parabéns Sarinha você é incrível e eu te amo muitão.
Dou um beijo na bochecha dele e tento lhe dar um abraço de lado dentro do carro. Assim que saímos do carro dou um abraço apertado e encho ele de beijos enquanto ele fica rindo, sei que ele ama quando faço isso.
Estamos os cinco parados na frente da casa da vovó, eu quem toco a campainha, segundos depois a empregada holandesa aparece na porta e pede para entrarmos, acredito que seja isso que ela falou em holandês. Ela nos guia até a sala de jantar onde minha avó está nos esperando, vou até ela e dou-lhe um abraço, Babi faz o mesmo que eu e depois Olavo, papai e a tia a cumprimentam.
Vamos para sala de estar beber um pouco, mas acho que depois de ontem ainda não estou preparada para voltar a beber. Fico no suco assim como minha irmã e meu irmão, algo está estranho com a vovó, ela não falou muito desde que cheguei, então começo a falar sobre os papéis da transferência.
- Semana que vem tenho que ir atrás dos meu papéis de transferência.
Ao terminar de falar isso percebo que minha avó está chorando e ela diz:
- Você tinha que escolher um lugar tão longe? Achava que você estava gostando da faculdade.
Nunca tinha visto ela desse jeito.
- Vó é a chance da minha vida. Vou poder estudar em uma ótima universidade fora do país e ainda ganhei um estágio.
- Christian como você pode deixar sua filha ir pra tão longe de você?
- Emília, eu sei que é difícil, mas tenho que deixar minha filha sair do ninho e viver a vida dela. Ela precisa aprender a viver.
Sinto vontade de chorar, tanto pela minha avó quanto pelo o que meu pai acaba de falar. Preciso falar alguma coisa para acabar com isso.
- Independente de onde eu vou estar vou sempre ter vocês em meu coração e não é como se eu não pudesse vir visitar vocês nos feriados ou nas férias.
Ela ainda não está muito conformada, me abraça e diz:
- Eu não quero perder você também Sarah.
A empregada holandesa aparece de novo, aparentemente nosso jantar já está pronto. Vamos pra mesa e Babi tenta animar o clima, começa a falar sobre os ensaios de uma peça que ela vai apresentar. Ela fala que preferia ficar por trás das câmeras, mas a professora insistiu que ela fosse uma personagem da história. Em um desses ensaios parece que o garoto com quem ela ia contracenar estava com ressaca e vomitou nela, ao contar isso todos nós rimos dela.
- Ei essa não foi uma história engraçada.
Tentamos ficar sérios, mas logo caímos nas gargalhadas de novo.
A comida está divina, são todas as minhas comidas prediletas e com certeza vovó ficou vigiando o cozinheiro para ver se ele estava fazendo bem a comida. Nossos pratos são tirados e no lugar deles são colocadas as nossas sobremesas, uma fatia de torta de limão pra cada. Não resisto e peço outra fatia. Ao irmos embora vovó me entrega uma vasilha com alguns pedaços da torta, beijo a testa dela e vou para o carro, antes de entrar olho para ela, então entro.
Finalmente vou poder descansar um pouco amanhã, só de pensar no tanto de coisa que tenho para fazer nessas próximas duas semanas eu fico cansada. Mas vai valer a pena quando chegar em Nova Iorque, mal posso esperar para esse grande dia.



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