Num piscar de olhos

42 1 1
                                    


Uma mulher assiste TV largada no sofá. A sala está escura e não dá pra ver seu rosto. Apenas suas pernas esticadas para frente com os calcanhares sobre o tapete sujo de resto de snacks.

A luz da TV iluminava o sofá à frente, onde uma mulher vestindo moletom prestava escutava a notícia atenta e com o semblante de quem não está pouco se lixando para o que o apresentador fala com tom sério, tentando ao máximo dramatizar a notícia.

Ela baixa o som e tenta lê os lábios do apresentador, enquanto dá longos goles na garrafa de uísque que tem na mão.

O rosto da mulher não é revelado.

Apresentador do jornal: Hoje faz exatamente dois meses que não temos nenhuma pista sobre o desaparecimento do casal de famosos Giuseppe e Anita Garibaldi. A pergunta que fica é: O que aconteceu com eles? O repórter Beto Fisk entrevistou o policial encarregado pelo caso. Vejam a reportagem a seguir.

Beto Fisk é um homem magro, olhos fundos de quem passa a madrugada lendo e escrevendo. Ele usa uma camisa gola pólo azul e um blazer alinhado. O local da entrevista é uma sala pequena. Ele está sentado numa cadeira e à sua frente está o detetive Jaime Madison.

Beto Fisk: Boa noite, detetive Jaime Madison. Por que chamar o caso de Romeu e Julieta?

Jaime Madison: Boa noite, Beto Fisk. Boa noite a todos que estão assistindo ao jornal Independência. Dei esse nome porque Romeu e Julieta simularam a morte deles para poderem fugir da realidade que viviam.

Gostaria de interromper a entrevista para falar um pouco do detetive.

Jaime Madison já teve os seus dias de glória. O policial foi capa de revista, deu palestras em academias de polícia em quase todos os países da América Latina e foi condecorado várias vezes.

Hoje era um senhor de 58 anos com uma barriga de chop. Deixava sua barba ruiva um pouco grande e tinha aparência de quem saiu de casa sem tomar banho. Há 20 anos, ele era a imagem da segurança pública, um robocop de carne e osso. Os bandidos se entregavam quando o viam, porque sabiam que iam perder de qualquer forma. Nessa entrevista era apenas um homem como qualquer, fora de forma, sem aquela fagulha acesa nos olhos que deixava a população confiante. Ele gostava de vestir camisa de botão, botas de couro e um chapéu panamá para esconder a calvice. O cabelo liso caia sobre as orelhas e dava um certo charme ao visual.

Jaime trabalha na polícia civil há mais de 30 anos. Esse é o seu último caso e por isso muitos colegas de profissão e a mídia tomaram a teoria dele sobre o desaparecimento como um descaso. Ele está se aposentando e ligou o foda-se para o desaparecimento. Era o que muitos diziam.

O policial já desvendou vários casos importantes na sua carreira. Ele descobriu serial killers, desmembrou gangues de tráfico de órgãos, tirou governantes poderosos do poder e salvou a vida de muita gente. Contudo, ele ficou famoso pelo Resgate de Escarlate. A filha do presidente de 9 anos havia desaparecido. Todos estavam procurando nos lugares errados e os criminosos se divertiam dando pistas erradas e marcando pontos de encontros apenas para irritar. O mais aterrorizante foi que pedaços da jovem Escarlate eram enviados para o presidente. Mas não diretamente para o Palácio do Jaburu. O dedo mindinho da mão direita foi enviado para um jornal em Recife, Pernambuco. A orelha esquerda para uma rádio no interior de São Paulo, um dedo do pé deixado no meio de uma praça pública em Belo Horizonte. E por último, o clitoris da pobre criança foi entregue ao vivo em um telejornal. A apresentadora desmaiou ao perceber o que estava na caixa.

Após os exames de dna foi constatado que cada pedacinho de corpo humano enviado era da Escarlate. A recompensa para qualquer informação era de 200 mil reais. Mas ninguém sabia nada.

AdormecidosOnde histórias criam vida. Descubra agora