Capítulo único

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Passava da meia-noite quando o telefone tocou, me despertando. Eu franzi a testa com os olhos ainda fechados e esfreguei as pálpebras com meus dedos, antes de finalmente os abrir e me sentar, um pouco confuso por conta da maneira brusca que havia sido despertado. Olhei para a minha direita na cama e observei que Jamia continuava dormindo, sem se dar conta do barulho estridente que estava preenchendo o nosso quarto. Curvei-me na direção dela para puxar o edredom e a cobrir direito, antes de me virar para a causa de todo o estardalhaço e tirar o aparelho da base.

 — Alô? — atendi com a voz rouca, mas ninguém respondeu. — Tem alguém aí?

 — Frank? — arquejei ao reconhecer aquela voz, apertando o telefone com as minhas duas mãos e contra a minha orelha. Eu não a escutava por quase nove meses agora. — Frank, você tá aí?

 — Gerard, é você? — perguntei para confirmar. Era de madrugada e eu havia acabado de acordar; não me surpreenderia se meus ouvidos estivessem me pregando uma peça. Mas não era. E eu sabia disso antes mesmo de ele me responder. — Nossa! Quanto tempo. — tentei fazer com que a minha voz soasse despreocupada, enquanto saia da minha cama quentinha e caminhava até a varanda do meu quarto com meu maço de cigarros e meu isqueiro na mão. Senti o vento gelado de Jersey bater direto contra o meu corpo, me fazendo resmungar baixinho antes de fechar a porta de vidro que ligava a varanda e o meu quarto. — Por que você está ligando? Aconteceu alguma coisa?

 — Não, não se preocupe. — ele se apressou em me tranquilizar. Deitei minha cabeça de lado e levantei o ombro para apoiar o telefone enquanto eu tentava acender meu cigarro. — Eu só... Eu só estava mexendo no meu telefone e encontrei seu número. Percebi que não nos falamos desde, bem, desde o fim da banda. — grunhi baixinho para informar que estava ouvindo, esperando que ele continuasse a falar. — Sei lá, senti a sua falta. Eu estou sempre em contato com o Ray e o Mike, obvio. Mas percebi que não falo com você desde março. E... — o ouvi suspirando do outro lado da linha e mordi o lábio inferior por nervosismo. — E você sempre foi meu melhor amigo. Esse sumiço é--

 — Patético? — sugeri, ouvindo sua risada. Não consegui evitar que um sorriso ganhasse meu rosto.

 — É. Patético é a palavra. — ficamos em silêncio por alguns instantes. Passei a língua por meus lábios secos e levantei o rosto para fitar o céu estrelado. Eu não sabia o que dizer. Gerard tossiu do outro lado da linha e eu tive certeza que ele estava se sentindo tão sem jeito quanto eu. — Enfim, eu estou indo pra Jersey para o natal. Vou chegar no dia 23 e queria te ver.— sua última frase foi tão baixa que eu não teria ouvido se não estivesse prestando atenção. Senti minhas pernas tremerem e meus olhos se arregalaram de susto – ou talvez pânico. Eu ainda estava tentando absorver aquela proposta inesperada, quando a voz dele soou novamente. — Eu entendo se você não quiser. Quer dizer--

 — Não, Gerard. — disse depressa, minha voz um pouco mais aguda que o normal. — Eu vou adorar.

 — Maravilha! — exclamou animadamente. — Eu vou te ligar quando chegar, está bem?

 — Eu vou esperar, Gerd. — concordei baixinho. Fiquei com o telefone no ouvido mesmo após ele se despedir e desligar, o barulho da linha invadindo meus ouvidos após algum tempo. Baixei o telefone após alguns instantes e inspirei fundo, antes de tragar meu cigarro uma última vez e jogar a bituca no jardim bem cuidado do meu lar. Balancei a cabeça numa tentativa falha de afastar maus pensamentos e voltei para dentro do quarto, recoloquei o telefone na base e me escondi debaixo do edredom. Não achava que iria conseguir voltar a dormir. Jamia nem havia se mexido.

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