A saída do salão ficava em uma lateral ainda mais luxuosa do que a que entramos. Já fazia quase meia-hora que me mantinha calada perdida em pensamentos enquanto acompanhava meu irmão e uma de suas colegas de escola que ele tinha encontrado durante a festa. Não queria atrapalhá-los, então me mantinha alguns passos atrás dos dois, no entanto, não era difícil de observa-los levando em consideração o vestido rosa forte de mangas abertas que a garota usava. Se ela queria chamar a atenção, seu objetivo foi cumprido com sucesso. Olhando ao redor, percebo que estamos em uma espécie de rua central cheia de prédios luminosos e carros silenciosos passando pelo meio do caminho como se os humanos sempre tivessem vivido aqui embaixo. De certa forma, esse lugar me lembra uma daquelas grandes cidades iluminadas dos filmes antigos que costumo ver nos finais de semanas com alguns amigos. Não existem mais filmes e nem cidades como àquelas, mas creio que a cidade subterrânea é como a antiga Nova York, porém toda construída embaixo da terra.
Prestando atenção nos dois adolescentes à alguns passos de mim, quase não vejo o cachorro de pelo marrom que corre apresada em direção às ruas. Eu vi o que iria acontecer, mas não fui rápida o bastante para segurar o animal antes que um carro prateado o jogasse alguns metros para longe no meio da rua. Vejo o motorista parar abruptamente e as pessoas ao redor começando a se agrupar em volta do acidente, mas não presto atenção a nada além do cão ganindo enquanto tenta se levantar. Esqueço qualquer coisa que possam pensar a meu respeito e tiro os sapatos com pressa enquanto corro até o animal já afastando as pessoas que o olhavam com expressões que variavam entre pena e preocupação. No entanto, por mais que olhassem, não se moviam para ajudá-lo. Eu não seria como eles. Me aproximo do cachorro e o coloco no chão de novo, impedindo que ele se machuque mais ainda. Não vejo sangue, mas uma das patas parece estar quebrada. Não sou especialista, mas acho que posso fazer alguma coisa.
-Alguém tem algo com que eu possa enfaixar a pata dele?-pergunto me virando para a multidão. Eles me olham com pena, mas só vejo algumas cabeças balançando em negação. Droga. Seres humanos inúteis. Se fosse uma criança, estariam fazendo o impossível para cuidar de ossos quebrados, mas como não ele não é da mesma espécie, essa gente nem se importa com o que irá acontecer a um animal inocente.
Me viro para o cachorro e fico tentando acalma-lo o máximo possível enquanto penso no que fazer.
-Você é veterinária?-ouço uma voz feminina falar às minhas costas. Ao me virar, vejo uma garota com provavelmente a minha idade esperando por uma resposta.
-Não.- digo a olhando.- E o cão também não é meu, se quer saber.
-Então porque toda essa preocupação com um cachorro de rua?-ela me olha com uma expressão confusa.
-Toda vida vale a pena.- digo-lhe como se fosse óbvio, e devia ser.
-Tem razão.- ela assente como se não tivesse pensado assim antes. Ela remexe em algo na sua bolsa e vejo quando ela retira algo bege e ao me estender percebo que é uma atadura.- Pode pegar, normalmente tenho kit de primeiros socorros para essas coisas, mas prefiro que você use para quem precisa mais do que todos esses humanos inúteis.
-Obrigada.- agradeço quando pego a atadura e começo a desenrola-la ao mesmo tempo que a garota se abaixa ao meu lado e começa a fazer carinho na cabeça do cachorro que parece feliz com toda essa atenção. -O que te fez vir até aqui me ajudar ao invés de continuar lá com o resto das pessoas sem fazer nada?
-O mundo precisa de pessoas com atitudes, e gostei da sua atitude de tentar cuidar de um animal mesmo sem ter nada além de sua preocupação sincera.- ela diz e me ajuda a segurar a pata machucada enquanto amarro a faixa com firmeza exatamente onde senti o osso quebrado.- Se existissem mais pessoas como você no mundo, tenho a impressão de que as coisas hoje seriam bem diferentes.
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A Sociedade Escarlate
Ficção Científica100 anos após o fim da Terceira Guerra Mundial, o mundo ainda está em crise. Lutando contra a radiação impregnada na terra mesmo tanto tempo depois das bombas nucleares terem sido disparadas. Os poucos sobreviventes da Grande Guerra sofreram com as...