Dê ouvidos à esperteza. Ou não...

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       Era início da madrugada e de e pé só restavam os guardas do portão principal.

Naquela noite os soldados estavam despreocupados, afinal, não havia motivos para alarde. O rei estava em paz com os reinos vizinhos, os cidadãos se comportando de maneira exemplar devido o casamento que se aproximava – eventos grandiosos sempre desviavam a atenção da população dos problemas – e logo haveriam mais guardas para ajuda-los com seus deveres, fazendo assim com que tivessem mais tempo para suas famílias.

Essa tranquilidade que os defensores do castelo exalavam e sentiam, como o perfume de tulipas desabrochando na primavera, não era por menos. Esse casamento selaria um acordo finito de paz entre os reinos e logo eles não mais precisariam ir para o campo de batalha e deixar para trás suas esposas e filhos, a mercê da sorte, para a sobrevivências nas cruzadas.

Era o que pensavam os soldados, que logo baixavam a guarda e até mesmo cochilavam durante os turnos. Não havia cidadão que fosse capaz de adentrar o castelo, e neste momento de calmaria, aonde logo os aldeões seriam convocados para ajudar nos preparativos do grande baile e estavam com a mente enuviada por tal honraria, não havia com o que se preocupar.

Nos corredores mais escuros, um homem corria a toda velocidade. Ele sabia que se fosse pego, não haveria misericórdia. Contudo não podia deixar de aproveitar o desleixo dos guardas. Era a oportunidade perfeita.

Passou as mãos pelos quadris, procurando pelo bolso em sua calça de couro a pequena joia que havia escondido. Sua necessidade o fez desejar a coroa. Toda ela. Mas sua esperteza o aconselhara a pegar apenas a joia chamativa que a adornava. E ele optou por acolher a inteligência ao invés da ganância.

Ainda não acreditando que conseguiu ludibriar os guardas, o ladrão correu até os estábulos. Era por lá que fugiria, com um cavalo real. Entretanto sua esperteza não o alertou para o fato de que os cavalos não lhe permitiriam montar. Haviam sido treinados para o uso exclusivo do rei e de sua família. Fazendo com que a cada tentativa os cavalos ficassem mais agitados; relinchando e distribuindo coices que vez ou outra acertavam as madeiras da estrutura. O que serviu de chamariz para os defensores do castelo.

Dois deles entraram no estabulo preparados para o que quer que fosse. E quando entenderam se tratar de um ladrão, não perderam tempo com perguntas. Quando o homem percebeu, já era tarde. O primeiro soco acertou sua mandíbula, enquanto um chute atingia seu abdômen. E as agressões continuaram madrugada afora. Eram socos, chutes e até mesmo pisadas que fizeram com que se rendesse.

Contudo para o rei não havia rendição. Ele era vil, tirano e ditador. Precisava ser.

O homem vendo a espada do opressor guarda apontada para seu peito, só pode pedir perdão à sua família, que o esperava em casa. Aguardando que ele levasse comida aquela noite, já que não conseguira na noite anterior. Pensando na esposa e nos seus filhos, o homem arrependeu-se de tentar roubar o rei. O rei que também os roubava. Da forma mais miserável possível.

No fim, tudo que pode sentir antes da escuridão e do silêncio, foi a breve dor da lâmina reclamando em seu tórax.

Os soldados comemoraram a morte do "ladrão". Mesmo sabendo que aquele homem era só mais um entre a população. Compreendiam que para sobreviver, era isso que o povo fazia. Roubavam. E também, não podiam fazer nada mais pelo coitado de pouca sorte que ousou tentar furtar das mãos do rei impiedoso. Cada um sobrevive da fora que pode. Em tempos difíceis, aquele homem apenas optou pela forma mais fácil e mais arriscada. De uma maneira ou de outra, os guardas acreditavam que o sujeito teve o fim que mereceu.

Saíram do estabulo arrastando o corpo, ignorando a coisa pequena e brilhante no chão... A joia havia caído enquanto o homem tentava escapar da confusão...

O início do dia no castelo foi tumultuoso. A ladainha dos soldados que se tornaram heróis, corria pelos corredores vez ou outra. Contudo, a noticia que não deixava a boca dos criados era o sumiço da joia, que estava na família real como parte da coroa, há gerações. Fazendo com que todos se perguntassem se o ocorrido afetaria os planos para o Baile de Primavera, pois o rei era orgulhoso e egocêntrico demais, e talvez, por esse motivo, se recusasse dar continuidade às festividades enquanto a pedra preciosa não fosse encontrada.

A cerimônia de casamento seria daqui a alguns dias, a meia-noite, comemorada em coligação com o ano novo, mais conhecido como a chegada da primavera. E em meio a isso, uma pergunta rondava todo o reino: Será que o rei abriria os portões do castelo para celebração?

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