Acordei sentindo-me totalmente relaxada, um sentimento bom. Não entendi, achei que estava em casa e havia acordado de algum sonho maluco com chuva e homens de jaleco. Mas fui me dando conta que não estava em casa. Eu estava em pé? Eu estava amarrada? Olhei ao redor e era um lugar grande cheio de capsulas de metal imersas em um líquido rosa. Eu parecia estar em uma capsula dessas com a exceção do líquido. Somente sabia que estava presa em algum compartimento de vidro ventilado. Olhei para baixo e eu estava amarrada com cintos presos a uma espécie de maca e de fato eu estava de pé presa aquela maca dentro dessa coisa de vidro que eu não sabia exato o que era. O lugar exterior estava cheio daquelas capsulas, ligadas por grandes tubos de metal que saiam vapor. Fios e tubos por todo o grande local que eu me encontrava e confrontavam-se no chão em grandes emaranhados. Eu não conseguia ouvir nenhum barulho, era uma calmaria. O local não tinha janelas também, qual o problema dessa gente com janelas?
Ouvi passos, mas não via ninguém. Eram passos femininos, me lembrei da atriz pornô metida à cientista, ou seria cientista metida à atriz pornô? Mas não, não era ela. A mulher apareceu logo atrás de um dos tubos – estava sorrindo. Era uma mulher ruiva, mas ruivo falso, de farmácia - o cabelo era da cor de sangue. Os olhos verdes e agudos me fitavam, olhos de cobra. Ela era muito bonita, poderia ter 25 a 40 anos, um rosto difícil de desvendar. Ela tinha um aspecto asiático, imagino que aquelas cantoras de grupos de coreanos ao ficarem mais velhas, com uns 35 anos, por exemplo, ficariam bem parecidas com ela. Lembrei-me dessas cantoras, pois ela tinha aquela estética montada, artificial para agradar os jovens. Ela estava de jaleco assim como a outra mulher. Ela sorria, olhava para mim, penetrando em meus olhos e sorria. Aquilo me enfureceu. Mais do que eu tinha ficado quando esse sequestro se iniciou. Aquele sorriso jocoso, aquela cara de deboche. Por que eu estava presa? Quem era essa gente. Sim, a raiva me tomou e eu gritei; "QUEM É VOCÊ?". Meu olhar era de ódio puro, de indignação, mas também era de impotência. Ela apenas me fitava com seu sorriso, não me respondeu. Foi o suficiente, comecei a me debater e a gritar impropérios para aquela mulher nojenta. Quando me cansei, sem nenhum sucesso de irrita-la, ela por fim disse "sou a nova rainha da lua", chegou mais perto de mim e apertou algum tipo de botão que provavelmente estava conectado aquele lugar que eu estava presa. Foi ai que tive certeza que eu estava mesmo em uma daquelas capsulas, pois a minha começou a se encher daquela água rosa. A mulher ruiva subiu em uma escada próxima à minha capsula e abriu uma espécie de tampa que tinha acima. Eu pensei que ela iria me retirar dali de dentro, mas na verdade colocou em mim uma espécie de equipamento para eu respirar em baixo daquela água, depois de ter encaixado a mascara de ar em mim ela fechou o compartimento novamente e eu fui inundada por aquela substancia que não tinha nada de água – parecia iogurte. A sensação ali dentro era boa, minhas pálpebras foram ficando pesadas e eu adormeci novamente antes mesmo daquele liquido chegar em meu pescoço.
Vozes - vozes rindo. Foi o que escutei ao despertar. Tentei abrir meus olhos mais eles foram de encontro àquela gosma rosa e arderam, os fechei na hora. Era terrível. Eu não podia gritar, não podia ver, mas conseguia ouvir aquela conversa. E tinha algo mais, porém eu não sabia o que era. Uma sensação diferente de antes, como se eu estivesse em movimento. Toda aquela escuridão me engolindo, aquele ar difícil de respirar por aquela máscara, aquelas vozes dando gargalhadas e aquele sentimento de estar me movendo. Era tudo ATERRORIZANTE. Eu gritaria se pudesse, eu choraria se tivesse como. Eu queria morrer, mas eu não morria. Tudo continuava acontecendo. Por fim ouvi um barulho de coisas borbulhando. Estavam esvaziando o meu tanque. Eu já estava ciente que não conseguiria sair dali por vontade daquelas pessoas, eu já tinha visto e ouvido demais. Se eu quisesse viver eu provavelmente teria que lutar. A água ou sei lá o que era aquela coisa nojenta com textura de baba e cor de iogurte, já estava quase fora da minha capsula, percebi que a capsula estava deitada, pois o liquido se esvaziou de forma diferente – na diagonal. Mantive meus olhos fechados, não queria que eles soubessem que eu estava acordada, acordada e pronta para morder, chutar, arranhar. Nada disso daria certo, eu sabia, eles provavelmente estavam armados, eles sequestraram uma pessoa, tinham laboratórios científicos surreais, eram gente perigosa, obviamente estavam armados. Mas eu já me sentia mentalmente esgotada, não estava disposta a suportar tudo isso - não sem lutar. Eles abriram meu compartimento e puxaram a minha maca – finalmente eu estava de fora. As vozes eram duas e eram homens. Se a dona da lua ou sei lá o que aquela idiota tinha dito ainda estava ali certamente estava calada, olhando tudo com seus olhos de cobra e seu sorriso jocoso. Eles conversavam sobre futebol. Isso de certa forma me captou a atenção - estavam desatentos. Apalparam-me sob os peitos, na barriga e nas coxas, mas sem ser de forma maliciosa, estavam examinando algo – provavelmente eram os homens de jaleco. "Tire as roupas dela, precisamos bota-la no uniforme" disse a voz da direita. Eu não gostei nenhum pouco disso, mas se iriam tirar minha roupa iriam tirar as amarras primeiro. O homem da esquerda desprendeu minha cintura e meu pescoço. O outro iria começar a tirar minhas calças, mas eu não deixaria. Eu vi que era minha hora, minha deixa. Eu iria pular em cima de um deles e morder, eu seria um maldito cão raivoso estraçalhando essa gente maníaca, ferindo como pudesse. Não adiantaria nada, eles provavelmente me prenderiam novamente ou até mesmo me matariam, mas ah... Eu não ligo, eu tinha que tentar, eu tinha que machucar eles, eu precisava. Abri os olhos e eles estavam olhando para mim, fizeram caras de assustados, mas antes que pudessem fazer algo eu pulei em um deles - o da esquerda. Mordi a cara dele, no nariz oleoso, não deu muito certo, a cartilagem escapava dos meus dentes, então mudei de tática e mordi o ombro coberto pelo maldito jaleco que mais cedo me passou confiança a ponto de não sentir medo daqueles homens de aparência culta. Eu afundei meus dentes naquele tecido, eu senti perfurar a carne dura. O outro tentava me puxar pela cintura, mas eu não saia, eu estava enfincada naquele ombro como uma sanguessuga. Minha vítima estava tentando desferir socos em minha costela, mas acho que a dor dele era muito grande – eu tinha abocanhado com gosto. Por fim o cara da direita me puxou de solavanco, me desprendi, caindo no chão enquanto o homem mordido gritava e me xingava com louvor. A mesa... Tinha um maldito bisturi em cima da mesa! Eles iriam me cortar? Fariam algum tipo de operação maluca em mim? Claro que fariam, eu era a cobaia, seja lá que merda isso signifique, obviamente não era algo bom. Eu me levantei, o homem da direita, que havia me jogado ao chão viu onde meu olhar se encontrava. Ficamos ambos parados, ambos olhando para o bisturi. Quem chegasse primeiro o pegaria, quem agisse primeiro venceria. Ficamos olhando um para o outro como dois cowboys em algum filme de faroeste. Eu pulei e ele foi junto. Ele chegou primeiro e o pegou, eu não liguei. Mordi o braço dele e arranquei um bom punhado de carne, acho que quebrei um dente ao fazer isso, eu senti algo esfarinhando em minha boca. Ele soltou o bisturi no chão enquanto me chamava de cadela. Me agachei para pega-lo e recebi um chute na barriga que me levou para o lado. Era o homem com o ombro sangrando. Como ver aquele sangue descendo e aquele olhar de desdém me deu prazer. Ele foi para me chutar novamente e eu agarrei seu pé, o outro homem já se recuperará e começou a socar minha cabeça. Não sei que tipos de droga haviam injetado em mim, mas eu não sentia quase nada, embora me desse conta que a minha cabeça estava sendo amassada. De repente fomos todos jogados para a esquerda. Estávamos em um automóvel! Provavelmente um caminhão. Nem me permiti assimilar isso e corri para o bisturi. Finalmente o peguei. Me levantei, sentia o sangue daquele homem em minha boca. Eles se recompuseram de pé. Levantando cautelosamente e com olhares de medo. Malditos. No final das contas não tinham arma nenhuma, eram apenas "cientistas", arrogantes o suficiente para não terem medo da estudante magrela de vinte e poucos anos sedada dentro daquele maldito tubo. Eles estavam com medo, de mim, com minha boca escorrendo sangue e aquele olhar de satisfação em meu rosto. Eu estava ali para dilacerar eles e eles sabiam.
O que eu mordi no ombro cedeu ao impasse e veio em minha direção para me atacar. O rasguei. Levantei minha mão armada do bisturi e o cortei como se fosse queijo. Eu rasguei sua barriga e metade de seu braço e não parei. Furei seu rosto. Ele gritava, ele gritava alto pedindo por ajuda, acho que estava chamando o motorista do nosso automóvel, mas se ele estava escutando não se importou, o automóvel continuou seguindo seu curso e eu continuei furando o rosto do homem de jaleco, furava como conseguia, rasgava como podia. A aparência no final das contas não ficou tão horrível como nesses filmes, ele parecia uma calça rasgada derramando sangue. Seus gritos tinham sessado, ele havia morrido, mas meu bisturi continuava cortando, tão afiado. Foi quando me lembrei de que havia outro, talvez se ele não tivesse com tanto medo ele teria me pegado no meu momento de distração, mas ele estava com medo. Ele apenas me olhava encolhido de onde eu percebi ser a porta. Estávamos em um caminhão ou algo do tipo. Geralmente em filmes com cenas assim, o cara que sobrou, e esta vislumbrando a morte bem a sua frente geralmente pede por clemencia, promete coisas. Mas não o homem de jaleco que sobrará. Ele era arrogante. Ele me ameaçou, dizia que coisas horríveis iriam acontecer comigo. Coisas horríveis já haviam acontecido. Eu parti para cima dele, que diferente de seu amigo com rosto de peneira, nem tentou contra atacar. Cortei sua garganta e seu sangue jorrou em mim. Ele se engasgava, me fitava com horror, mas não chorou — me amaldiçoava, me amaldiçoava com seu solhos cheios de fúria e sua garganta jorrava como um rio vermelho.
A primeira coisa que fiz quando notei que estava sozinha naquele vagão de caminhão, trem ou sei lá o que - foi procurar o celular deles. Eu chamaria a policia, o celular tinha GPS, certo? Nunca entendi direito como eles funcionariam em casos como esse, mas acredito que ajudariam e me encontrar. Eles não estavam com celulares. Os malditos homens de jaleco não estavam com nenhum maldito celular. Quem em 2018 não anda com celular? Bem, talvez os homens de jaleco e suas capsulas cheia de gosma rosa com suas missões secretas das quais não se pode envolver a policia.
A porta! Será que estava trancada por fora? Seria por isso que o homem de jaleco não tentou pular? Tentei abrir e não estava trancada. Senti o ar da noite, gelado, mas extremamente agradável me acariciar com sua graça. Eu estava do lado de fora. Sim, talvez agora eu saiba como se sente um maldito ex-presidiário. Buzinas. O carro de trás era um caminhão também. O homem em seu volante falava com alguém. Ele me olhava com um olhar alarmante. Era um deles? A confirmação chegou a seguir. O caminhão que eu estava parou bruscamente e eu fui jogada para trás. Não pensei, apenas agi. Me levantei e pulei para fora. O caminhão que estava atrás estava estacionando na pista da contramão para não colidir com a gente. Cai dolorosamente no chão duro. Tive a sensação como se minha pele do braço rasgasse no asfalto e provavelmente rasgara, mas não senti a dor. Seja lá o que tinha naquela gosma rosa era bem entorpecente.

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Projeto G
Short StoryUm conto de ficção cientifica sobre uma universitária que é raptada por um grupo de cientistas com propósitos desconhecidos.