A sentença

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Eu puxei o gatilho. E era tarde demais, pois a bala não voltaria para a pistola. Lá estava ele: o homem que sempre amei, morto, sem o olhar feroz de segundos atrás que me fez matá-lo. Não pude fazer nada. Não corri. Não gritei. Não chorei. Naquele momento, estava apenas em choque. Não sabia o que fazer e ainda que soubesse, não saberia se era o certo a ser feito. Foi quando ouvi as sirenes que resolvi sair do meu modo de inércia e, então, corri. Mas não é assim que a história começa.

Oliver Frank: esse era seu nome. O quarentão mais cobiçado da cidade de Nova Jersey. Sendo ele 1º Sargento, utilizava a Lei a seu favor, principalmente nas noites em que "investigava" os bares. Eu trabalhava no Wayne's e estava acostumada a vê-lo chegar e, de farda e expressão séria, sentar-se ao balcão e me pedir uma dose de tequila. Havia três noites que ele começara a me olhar de modo diferente, talvez pelo fato de eu ter começado a me maquiar, esperando sua presença. Esta noite, ele perguntou se eu não gostaria que me acompanhasse pelo caminho de casa pois "uma moça tão atraente não deveria andar pelas noites de Nova Jersey sozinha", ele disse. Encantada por seus poucos fios grisalhos, aceitei seu convite e, após retirar o avental, soltei os cabelos e esbocei o meu melhor sorriso.

Nós íamos flertando pelo caminho, fazendo perguntas consideradas normais entre duas pessoas que acabam de se conhecer. Sua presença era agradável, até o momento em que ele, sem avisos prévios, me beijou. Mas não foi um simples beijo. Não foi prazeroso, foi invasivo. Ele me sufocava e, quando se afastava para retomar o fôlego, mostrava o seu pior olhar. Era como se eu estivesse prestes a ser devorada. Eu era a presa e ele queria caçar. Senti o desespero tomar conta de mim: não se diz "não" a um homem que tem a Lei como instrumento de trabalho.

- Espere! Pare! - Bradei.

- Qual é o problema, srta. Lewis? Uma dama que trabalha num lugar sujo como o Wayne's gostaria de um pouco mais de delicadeza? - Seu olhar era doentio. Comecei a espernear, socar, gritar, mas ele não me deixava. - Se gritar mais uma vez, - ele sacou a arma - a senhorita vai servir tequila pro diabo.

Quando senti suas mãos imundas percorrerem o meu corpo, não pude me conter. Dei-lhe uma joelhada no meio das pernas. Ao deixar cair a arma para gritar de dor e me chamar de "vadia" e outros nomes esdrúxulos, seu olhar passava de pervertido e doentio para desesperado e amedrontado, pois aproveitei a oportunidade para pegar a pistola. Eu a apontei para ele e acredito ter sido visível o meu olhar de ódio, já que ele pôs as mãos para o alto e pediu para que eu largasse a arma. Gostaria de apagar o que aconteceu nesta noite. Num segundo ele me pedia para abaixar a pistola e no outro, era ele quem estava jogado ao chão.

- E foi assim que o matei. - disse, finalmente encarando os olhos do Juiz Jones que, ao final da audiência, me sentenciaria a 15 anos por homicídio doloso, sem considerar autodefesa.

A vida como ela não deve serOnde histórias criam vida. Descubra agora