Trilha de migalhas

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“Registros históricos indicam que a primeira transfusão de sangue aconteceu no século XVII, ocasião em que o médico francês Jean-Baptiste Denis conseguiu transferir o fluído de uma ovelha para um ser humano.”

2018

Dessa vez, eu não tinha certeza se meu plano daria certo, na verdade, eu tinha bastante chances de fracassar dessa vez; tinha muitos obstáculos a transpor até chegar no meu alvo. Mas aquela era uma ótima oportunidade, e eu ia tentar a sorte.

Mas não é difícil entrar sem ser convidado em uma festa de formatura às 3:00 da manhã. À essa hora, a maioria dos presentes está bêbada, drogada ou cansada demais para prestar atenção em um mínimo detalhe. Os conservadores já tinham ido embora à horas, e, os seguranças, estavam desatentos. Afinal, se não foi necessária sua intervenção até agora, era bem provável que não fosse acontecer nenhuma confusão depois das 3:00. Isso se alguns deles já não tivessem bebido alguns coquetéis às escondidas.

Então, lá estava eu. Minha mera aparência humana sob um traje casual de gravata preta. Mais uma máscara, só mais um número infiltrado na grande festa. Acima de qualquer suspeita. Ninguém me viu passar pela portaria, ou se viu, me ignorou completamente. Afinal, ainda existia gente decente que descia para fumar, ao invés de usar a sacada. Àquela hora, a pessoa responsável pela portaria nem pedia mais para ver a pulseira, e estava conversando com um companheiro de trabalho atrás do balcão. Afinal, ninguém chega em uma festa às 3:00 horas da manhã, então as pessoas simplesmente passam e, automaticamente, os responsáveis pela portaria pressupõe que quem entrou, foi alguém que já estava lá antes, e saiu para fumar. Grave erro. Escolhi aquela noite, e aquela hora, especialmente por causa das máscaras, e por causa da facilidade de transitar de dentro para fora. E como sempre, acertei. Ninguém me notou.

Vi meu alvo de vestido amarelo no bar, pedindo alguma bebida. Eu sabia que ela ia estar no ambiente de música eletrônica, porque ela não curtia sertanejo universitário. Era uma princesinha das baladas, ela. Não tinha namorado, não perdia uma festa da Ramblas, e sempre voltava pra casa de táxi. Tinha 25 anos. Realmente me causou surpresa que ela estava a procura de álcool, e não de bala ou papel, como era de costume. Acordava as 7:00 em ponto, todos os dias. Ás 8:00, ela saia para correr. Entrava na academia Top Gim, uma das melhores da cidade, às 8:30, e saia de lá às 9:30. Ia correndo pra casa, na rua Jaboticaba, n°50, São José Operário. Entre 10:00 e 12:00 horas, ela estudava, e fazia trabalhos, para a faculdade. Era um ritual de todas as manhãs. 12:30 ela saia de carro, e passava o resto do dia na defensoria pública, onde era estagiária até às 17:00. Então ela voltava pra casa, comia alguma coisa, e ia para a faculdade às 18:00. Só voltava às 22:50. Morava com a irmã mais nova, com a madrasta, grávida, e com o pai, policial, especificamente, agente investigador da civil. Seu maior sonho? A carteirinha da OAB. Mal sabia ela que não passaria da noite de solenidade da formatura. Porquê? Simplesmente porque eu não à julgava digna de exercer uma profissão tão séria. De profissional ruim, Marau tem aos montes. Não precisava de mais uma que buscava na profissão apenas os próprios interesses. Provavelmente, segurar a bomba do pai corrupto, que ela sabia que uma hora iria explodir. A hora dele ia chegar também, mas ainda era cedo.

Como eu sei tudo isso? Observação. Muita observação. Eu a segui por muito tempo, desde a academia, até a rua da sua casa. Eu chegava sempre com 3 minutos de atraso, depois dela, na academia, e, a uns 3 meses, eu vinha administrando 0,75mg de heparina, um poderoso anticoagulante, na água dela. Sabe-se que a porcentagem eliminada pelo organismo fisiologicamente, é quase nula pelo tempo de utilização  Ela sempre deixava a garrafa dela no vestiário feminino, e àquela hora da manhã, a academia estava quase sempre vazia. Agora, veja bem a importância de não se ter o hábito de mascar chicletes enquanto sua garrafa d'água da sopa por aí, ou o seu copo de bebida passa de mão em mão na balada: se a minha vítima não tivesse o hábito de mascar Trident sabor melancia enquanto exercitava-se, talvez ela teria percebido alguma alteração no sabor da água, e meu plano fracassaria completamente. Mas ela não percebeu. Isso porque a refrescância e o sabor de gomas de mascar desse tipo, se sobrepõe aos outros sabores, afetando nosso paladar por um tempo. Meus 3 minutos de atraso me permitiam certificar-me de que, todos os dias, após o treino, ela ingeriria, inocentemente, a substância por mim administrada. Se muda o gosto da água? Não sei dizer. Eu não costumo administrar esse tipo de experiência sob meu próprio corpo.

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⏰ Última atualização: Nov 27, 2018 ⏰

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