Capítulo 2 - Tormento

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Vick

Toda a viagem de volta pra casa foi um numa mistura de sentimentos. Felicidade e expectativa pela entrevista de emprego, saudades e confusão por Nick, e ressentimento e medo pelo que me esperava em casa. Não são nem nove horas e já experimentei tantas emoções! Quando por fim o táxi para na frente do prédio em que moro com minha mãe e meu padrasto a sensação de felicidade vai murchando como um balão furado no meu peito e o medo e ressentimento crescendo.

— Quanto eu devo? — Pergunto procurando minha carteira na bolsa.

— A corrida já foi paga. — O taxista responde então eu agradeço e desço do carro.

O prédio em que moramos fica bem no centro. O nosso fica no sexto andar, apartamento 23B. Tem três quartos (sendo duas suítes) – porque meus pais queriam ter dois filhos – uma sala ampla, cozinha de bom tamanho, um banheiro social e duas varandas - uma do meu quarto e a outra para a sala. No térreo do prédio há uma sala ampla cheia de máquinas de lavar roupas e secadoras. O apartamento foi comprado pelo meu pai e, quando ele morreu a 17 anos, o deixou para mim.
Um ano depois da morte do meu pai minha mãe arranjou um namorado, Mauro Santos, e no ano seguinte eles se casaram.
No início ele era um cara legal. Ele até era amigo do meu pai e deu muito apoio a minha mãe quando o perdemos, mas com o passar do tempo as coisas mudaram. Ele não tem nada de legal nele.

Entro no elevador e subo. Conforme eu me aproximo da porta de casa mais infeliz eu me sinto. Sabe quando você sente que algo ruim está para chegar ou quando estamos em um lugar fechado e temos a sensação de que se abrirmos a porta algo ou alguém vai entrar e te fazer muito mal? Então... é como eu me sinto enquanto espero as portas do elevador se abrirem.

Parada junto a porta de seu apartamento está Leyla, minha melhor amiga desde os 4 anos. Seus cabelos são ruivos e encaracolados nas pontas, sua pele é clara e cheia de sardas e seus olhos são grandes lagos azuis. Tem uma boca mínima que fala tanto que as vezes fico surpresa com seu fôlego e um nariz pequeno e arrebitado. Leyla é um pouco mais baixa que eu, mas sempre compensa a altura com saltos incrivelmente altos. Ela está vestindo um jeans velho e gasto e uma camiseta regata verde que faz seus cabelos parecerem ainda mais ruivos.

— Ora, ora, ora, se não é a dona bonita que saiu com o bonito ontem à noite! — Ela diz e sorri maliciosa. — É aí, tá dolorida? Ele é muito bruto? Ele tem cara de sacana. Ele te amarrou? Teve repeteco hoje de manhã? — Ela arregala os olhos. — Não me diga que ele tem um pequeno!

Eu começo a rir. Ela é doida, mas eu a amo.

­— Conto tudo mais tarde, Leyla. — Falo e vou pra casa.

Quando entro o inferno está feito. Meu padrasto está fora de si e grita com a minha mãe.

— Ela não vai mais ficar aqui! — Ele grita. — Passou a noite na casa de qualquer um, então que fique por lá! Não quero nenhuma vagabunda morando aqui.

Penso em ir direto para o meu quarto, mas eles percebem minha presença e me seguem. Minha mãe tem 45 anos, é loira, tem olhos azuis bem claros, tem 1,62 cm de altura e uns quilinhos a mais do que ela desejava. Mauro tem 48 anos, 1,80 de altura, é moreno e magro. Seus olhos são negros como a noite, os lábios finos com queixo anguloso e pontudo. Visto de fora, ele pode ser considerado bonito. Mas na minha visão ele é repugnante.

— Você vai embora desta casa! — Ele grita comigo, mas não lhe dou atenção. Só consigo pensar na entrevista de emprego e no beijo de despedida de Nick. O que é bom pois preciso pensar em coisas boas para não enlouquecer aqui dentro.

Vou até o meu armário e começo a procurar uma roupa adequada para uma entrevista de emprego. Tenho certeza de que, se Leyla estivesse aqui, logo acharia algo.

Dividida - DegustaçãoWhere stories live. Discover now