Vick
No dia seguinte quase todas as minhas coisas estavam encaixotadas ou em malas. Só de olhar para elas sinto um misto de sentimentos conflitantes em um espiral de expectativa e melancolia que acho que deve ser normal quando se está saindo de casa. Eu só achava que quando eu saísse de casa seria por um motivo diferente, não porque minha mãe me colocaria para fora por um capricho do marido maldito dela.
— É, Vick... Mas não podemos fazer nada para mudar a cabeça dela. Só nos resta sair. É isso ou coloca-la para fora e isso está fora de questão. — falo sozinha enquanto examino minha escolha de roupas para o meu primeiro dia na editora — melhor pensar em coisas mais positivas ou vou acabar ficando realmente deprimida.
Me apronto para o meu primeiro dia na editora, visto uma saia lápis azul petróleo, uma blusa branca com botões prateados e calço uma sandália de salto azul-escuro. Faço uma maquiagem básica, meio nude e troco minhas coisas de bolsa para uma preta um pouco maior. Saio do quarto e dou de cara com a minha mãe.
— Jesus Cristo! — Falo por causa do susto. Ela parece ansiosa, quase frenética.
— Vá embora! — Ela diz quase gritando.
Ela está péssima. Há marcas de cansaço e lágrimas em seu rosto e seu cabelo claro está um pesadelo. Ele deve ter corroído sua paz a noite toda para que ela me pressionasse a ir embora logo, mas eu sei bem o que ele quer. Isso não vai dar certo. Me recuso a ceder a ele. Prefiro morrer a ceder.
Me afasto dela triste por ver como ele a domina e sigo pelo corredor.
— Estou indo para o trabalho! — Falo enquanto ando. — Te vejo mais tarde, mãe!
Pego um táxi e vou primeiro a oficina, buscar o meu carro. Fico o caminho todo olhando pela janela e pensando na minha mãe. Como eu queria que ela fosse mais forte. Que não deixasse que Mauro ter tanto domínio sobre ela. Mas é bem verdade que minha mãe mudou muito depois que meu pai morreu num acidente de avião. Ela era forte, enérgica e vivia sorrindo.
Nos primeiros meses após a tragédia, ela mal saia de dentro do quarto. Minha tia Any, esposa do meu tio Jem, era quem cuidava de mim. E quando eu ia dormir sempre escutava minha mãe chorar.
Afasto minha mente desses pensamentos pois sei onde eles vão me levar. Eles me levam a pensar em Logan Romero. E eu não posso pensar nele agora.
O táxi para na frente da Oficina Sullivan, um prédio com fachada amarela suja com pneus se amontoando do lado de dentro junto ao muro amarelo encardido de sujeira. O cheiro de graxa, tinta e outros produtos químicos deixam o ar pesado naquela área e me fazem querer prender a respiração.
— Bom dia, Dona Victória! — O mecânico diz arrastando as palavras. Ele me olha com tanta malícia que faz eu me sentir suja.
O sr. Sullivan é um homem na casa dos 60 anos, baixo, calvo e gordo. Tem olhos miúdos e maliciosos, um nariz achatado e lábios finos. Está sempre vestido com uma camisa que um dia foi branca, mas que agora é tão amarela e encardida quanto o muro de sua oficina, um macacão azul escuro e botas pretas de couro sujas de lama. Sem falar que fede horrores!
— Bom dia, sr. Sullivan. — Devolvo sem entusiasmo algum na voz — Meu carro está pronto?
— Está, está sim, Dona Victoria! — Ele diz me olhando dos pés à cabeça e eu engulo a ânsia de vômito que ele me causa.
— Ótimo. Pode mandar buscá-lo? — peço perdendo a paciência com ele — Estou com pressa.
Ele me olha uma última vez e sai pra buscar o carro.
Quando meu bebê aparece, um Jipe Gran Commander 2018 preto, eu quase corro e me jogo sob seu capo. O sr. Sullivan me entrega as chaves e eu entrego o cheque a ele. Dou a volta no carro avaliando-o. A pintura recém retocada, os pneus novos... Meu bebê levou um bom trato. Parece novinho em folha. Finalmente abro a porta do motorista e o olho por dentro.
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Dividida - Degustação
RomanceVictoria Romero vive uma vida cheia de tormentos. Mas após uma noite de bebedeira ela acorda na cama de um desconhecido um tanto frio, para dizer o minimo. Mas parece que essa noite da qual ela não consegue lembrar traz um pouco de sorte e azar para...