Capítulo 5 - Cíntia

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Saudade de você
Vontade de te ver
Eu necessito você aqui comigo
- Saudades de você, Zé Felipe

Acordei com o meu despertador tocando e o puxei do móvel ao lado da minha cama e por pouco não o joguei no chão.
- Credo, Cíntia! Que troço mais barulhento. – Beatriz se levantou coçando os olhos pesados de sono.
- Desculpa. – Pulei da cama. – Ele é a garantia de que não vou me atrasar.
- Você é certinha demais. – Ela gargalhou. – Vamos ver quanto tempo isso vai durar.
- O que quer dizer com isso? – comecei a arrumar a cama.
- Ninguém sobrevive cem por cento a faculdade, querida. Uma hora começamos a matar aulas, esse tipo de coisas.
- Não vou fazer isso.
- Veremos daqui há alguns períodos, quando as coisas começaram a pesar.
- Você não motiva ninguém, sabia?
- Para isso existem os livros de autoajuda.
A cara que ela fez acabou arrancando de mim uma risada.
- Ah, por falar em coisas que precisamos fazer durante a faculdade. Hoje a noite tem a calourada. E você vai.
- Não vou não. Não tenho dinheiro para desperdiçar com festa e bebida.
- Não se preocupa com isso. Fiquei uma época com um dos caras da organização e ele sempre descola ingressos para mim. O evento é open bar, não vai ter que pagar bebida lá dentro.
- Eu não bebo, Bia! – Cruzei os braços.
- Ainda temos tempo para rever esses seus conceitos.
Apenas balancei a cabeça em negativa.
- Vamos Cíntia é só uma festinha, não tem mal algum em irmos lá.
- Não.
- Por favorzinho? – Ela apoiou o queixo nas costas das mãos e piscou os olhos repetidas vezes, como se aquela cena cômica fosse capaz de me fazer mudar de ideia.
- Não, Bia!
- Cara, por que eu fiquei com a colega de quarto mais chata de todas?!
- Para de chorar e me diz onde eu encontro um orelhão para poder ligar em casa. Meus pais devem estar desesperados por notícias.
- Cara, quantos anos você tem mesmo?
- Dezoito. – Franzi o cenho. – O que isso tem a ver?
- Parece uma menina.
- Ah, dá um tempo! Sabe ou não me dizer onde fica orelhão.
- Tem um perto do supermercado, na esquina três quarteirões para cima.
- Obrigada.
Troquei de roupa ignorando os resmungos dela e escovei os dentes me preparando para sair. Prendi meus cabelos em um rabo de cavalo e coloquei uma camiseta fresca, pois se de manhã já estava quente, era bem provável que durante o dia virasse uma sucursal do inferno.
- Tchau, Bia. Nos encontramos na bandejão antes da aula, pode ser?
- Tudo bem, sua chata. – Ela estava com um bico enorme o que só me fez rir ainda mais.
Sai da moradia sem delongar o drama dela, não havia motivos para ir a tal festa, entrado de graça ou não, lembrar de casa reforçava os meus objetivos de estar ali. Precisava formar o quanto antes e ir para perto dos meus.
Não foi difícil encontrar o orelhão e usei uma das fichas que minha mãe tinha me dado para ligar para uma vizinha, uma das poucas que possuía telefone na cidade onde eu morava. Depois de alguns toques a senhora do outro lado atendeu.
- Oi, Dona Júlia.
- Menina Cíntia, está tudo bem aí? Gostando da faculdade?
- A minha primeira aula é hoje, mas tudo aqui é fantástico.
- Fico contente. Quer que eu vá chamar a sua mãe.
- Sim, por favor.
- Solange!!! – Ela saiu gritando e eu pude ouvir a voz dela reverberando por toda a casa e talvez tivesse ecoado na minha, pois logo a minha mãe apareceu.
- Filha! Como você está?
- Bem, mãe.
- Está conseguindo comer direito e a tal moradia, não é uma confusão não né.
- Não, mãe. É um prédio muito arrumado com duas garotas por quarto.
- Nada de inventar de levar garotos para lá.
- Mãe!
- Só estou avisando. Mas fico muito contente em ouvir que você está bem. Tem alguém aqui do meu lado que quer falar com você, vou passar para ele.
Por um minuto eu torço para que fosse o meu pai, um tio, qualquer pessoa do mundo, menos ele...
- Oi, Cíntia.
- Léo... – Engoli em seco como se uma bola houvesse se entalado na minha garganta. Me senti como os gatos que engasgavam com pelo.
- Como você está? – Ele quebrou o silêncio minutos intermináveis depois.
Senti o telefone escorregar da minha mão de tanto que eu estava soando frio.
- Eu estou bem e você?
- Com saudades, mas bem. Queria você aqui comigo.
- Olha, Léo...
- Relaxa, Cíntia, não precisa se explicar. Eu sei que essa faculdade é mais importante para você do que eu, mas espero que acabe logo e volte logo para mim.
- Obrigada por entender, Léo. – Ainda me lembrava do quanto fora difícil me despedir dele e entrar naquele ônibus.
- Sei que não quer manter um relacionamento a distância, mas ainda somos amigos, não é?
- Somos sim. – Ele conseguiu tirar de mim um sorriso.
- Ouvi você conversando com a sua mãe, parece que está gostando do lugar. Fico contente com isso.
- Obrigada, Léo! – Olhei no relógio de pulso, faltava quinze minutos para a primeira aula, iria acabar chegando atrasada. – Olha, Léo, eu preciso ir ou vou acabar me atrasando para a primeira aula.
- Tudo bem, vai lá. Conversamos mais em um outro dia. Boa aula para você!
- Obrigada. – Suspirei profundamente antes de desligar a ligação.
Ainda éramos amigos... Pensar nisso me deixava feliz, pois Léo desde criança fora o meu melhor amigo.
Sai suspirando para a primeira aula, sabendo que estava tudo bem em casa e com as pessoas importantes para mim.

Nunca te esqueci (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora