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O apartamento situado na New Orleans Street em Chicago estava ligeiramente desarrumado. Havia roupas espalhadas pela mesa de centro da sala e restos de comida de plástico sobre o balcão da cozinha. Deitada no sofá, repleto de almofadas femininas, estava uma figura esguia e franzina, que mal parecia respirar. As suas roupas, que já largas a tapavam da inocência de um corpo nu, pareciam fazer parte da desarrumação que preenchia a divisão. E os seus cabelos morenos e encaracolados, atados num carrapito no topo da cabeça, pareciam querer soltar-se da força do elástico que os prendia.

Depois de um longo dia, a ouvir as pessoas a queixarem-se e a desabafarem no seu consultório Jessica Blackwood só queria tempo para si. Queria poder andar descalça pelo chão frio, queria ter o direito de estar mal preparada e vestida com roupas largas, queria poder estar suja com a maquilhagem a escorrer-lhe pelos olhos. E isso era o que ela merecia!

As oito badaladas tocavam no seu relógio de cuco. Eram já horas de jantar, mas o seu estomago encolhido estava já incrivelmente preenchido por uma meia torrada e uns três goles de leite.

Sobre a mesa de centro estava pousado o telemóvel Nokia da psicóloga, que a informava que tinha sido contactada três vezes. Aas Jessica não queria - nem iria - atender aquele numero desconhecido, com medo que fossem aqueles chatos do telemarketing a tentarem convence-la a comprar um novo aspirador!

Uma toalha fresca molhava, gradualmente, a cabeça da rapariga dos caracóis. A enxaqueca que se debatia sobre si era horrivelmente temível e nem os dois comprimidos, que esta tomara para afastar a dor, pareciam estar a resultar.

A porta bateu duas vezes, com força, e ela gemendo de dor, perguntou:

- Quem é?

A voz do outro lado do seu apartamento foi aclarada e depois falou:

- Daqui é Robert Davis do FBI, gostaria de falar com Jessica Ryan Blackwood.

A dor de cabeça cessou e deu o seu lugar à preocupação e ao histerismo. Roupas foram transportadas da sala para o quarto da psicóloga. E os restos de comida sobre a mesa foram instantaneamente lançados para o caixote do lixo. Enquanto, andava naquele alvoroço a mulher gritava:

- É a própria! Qual o assunto?

- Preferia falar na confidencialidade do seu apartamento Miss Blackwood. - Informou o agente Davis com algum embaraço.

Tudo parecia estar minimamente apresentável na sala, excepto talvez a camada de pó que rodeava os vários moveis. Ela tirou a camisola grossa, que a rodeava, e sentiu-se uma felizarda por ter a cobrir-lhe o corpo uma blusa justa de alças. Suspirou e lá abriu a porta ao agente loiro.

- Boa noite. - Disse entrando pelo apartamento. Os seus passos vaguearam a entrada numa forma vagarosa e quando viu o cabide para os casacos de madeira com um soutien lá espetado, parou e mirou-o com um sorriso divertido. Jessica tapou os seis com um abraço forte, tentando esconder o embaraço que se apoderava das suas bochechas rosadas. Davis pendurou  o casaco sobre o cabide, tapando a peça de roupa interior da psicóloga e vagueou o apartamento com um olhar atento. Com um à vontade desconfortavelmente estranho, Robert sentou-se sobre o sofá da mulher dos caracóis, enquanto esta apenas o olhava admirada e atónita.

- Tem café? - Perguntou ele, desrespeitando todas as regras de boa educação.

- Ham...sim! - Anunciou, prontamente, ela. Jessica correu até ao balcão da cozinha e ligou a máquina antiga de café. A sua máquina era velha e Blackwood não era fan daquela bebida cafeinada, pelo que nunca mexeu nela. Ficou cinco minutos a dar marteladas na maquineta, que não queria nem aquecer a água dentro de si, nem torturar os grãos de café, que a psicóloga tinha posto lá dentro. Mas quando finalmente um líquido castanho escorrera pelo pequeno orifício da engenhoca pré-histórica, a mulher sorriu e lá ofereceu a Davis uma caneca cheia da bebida castanha.

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