As Paredes Sussurantes

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Lucille não sabia onde estava. Talvez no inferno.
   Ter Thomas arrancado de seus braços foi a pior experiência que a garota já sofreu, vê-lo gritar por ela e não poder mover um dedo para acalmá-lo, não poder cantar para seu irmão, não poder amá-lo.

E Lucille não sabia quando ela voltaria a ver Thomas. Ela não fazia ideia a quanto tempo ela estivera na sala, com pouca iluminação e nenhum móvel, ela permaneceu deitada no chão. A única coisa que ela se lembra foi de ter matado a mãe,– uma ação exclusivamente satisfatória– ser levada para a biblioteca, ela se fez de idiota, respondendo às perguntas muitas vezes mudando de assunto ou respondendo errado,ser amarrada à força, ser jogada para fora da casa , ser chutada, e logo depois da carruagem de Thomas sumir de sua visão, ser dopada. Depois disso a única coisa que sabe que está em uma sala. Sozinha .

   Ela se levantou com muita dificuldade do chão, caminhou com seus pés meio adormecidos até a porta da sala, encostou seu ouvido nela, ouviu sussurros, vários, muitas risadas e gritos. Lucille estava certa, estava no inferno.

"Thomas?"– Lucille o chamou, perdendo a última da suas esperanças. Ela arriscou novamente:

–"Thomas?!' – ela gritou mais alto. Ela atirou seu corpo na porta, repetidamente, gritando o nome de seu irmão cada vez mais alto.

"Não."– o sussurro escorreu pelos lábios de Lucille.–" Não podemos..! – Lucille disse com seus olhos vidrados, desfocados.–" Nós não podemos nos separar." – ela andou em círculos pela sala, estudando-a ,procurando algo que pudesse ajudá-la.

"Sempre juntos...'– Lucille disse, como outras milhares de vezes.

Ninguém respondeu .

  Um soluço saiu desesperado pela garganta de Lucille, logo outro, e mais outro...

Ela gritou, mais alto que seus pulmões permitiam, sua garganta falhou e arranhou, ela tentou arrombar a porta, se jogando novamente nela, mas não causava nenhum efeito .

  Após algumas horas, que parecem anos e minutos, passaram, a porta foi aberta. Um homem que  usava roupas brancas estava lá, Lucille se afastou, o homem se aproximou, ele tinha cabelos como piche, lisos e oleosos, pele pálida, doente, e olhos azuis como vidro. Ele segurou Lucille pelo ombro, a menina se alarmou e tentou se libertar dele, mas ele a empurrou para fora da sala, onde os sussurros, que afinal eram gritos desesperados, ficaram mais claros. A ideia de estar no inferno também.

"Onde eu estou?"– a garota perguntou para o homem de cabelos negros.– "Onde meu irmão está?"

"Calada."–  ele respondeu com sua voz grave.–" Continue andando."

Após caminhar pelos corredores escuros, Lucille viu uma placa fixada na parede, que dizia em letras grandes : ALA INFANTIL.

"Sente na cadeira."– o loiro sinalizou com sua mão para a cadeira de madeira, a garota se sentou, não sabia o que aconteceria. 

O homem veio por trás com uma tesoura  longa de ferro. O alvo era os longos cabelos de Lucille, que soltos terminavam em seu quadril.

Ele avançou e cortou um grande cacho dos cabelos da garota, que se alarmou e virou para trás, com uma mistura de surpresa e ódio.

" Por quê diabos você fez isso?!" – Lucille trovejou se levantando da cadeira, levando a mão para a área sem cabelos, ela avançou no homem, ela conseguiu pular em cima dele e tomar a tesoura de suas mãos, o homem gritava e gritava por ajuda enquanto Lucille cortava cada cacho  preto oleoso do cabelo do homem, quando ia enfiar a tesoura no meio dos olhos do homem, alguém a puxou pelo seu quadril, segurando seus ombros e chutando a tesoura das mãos de Lucille.

"O que você pensa que está fazendo?!' – o homem que a segurava a perguntou abismado.

"O que vocês pensam que estão fazendo?!'– Lucille gritou fervilhando de raiva.

"Deixe ela na cadeira."– o homem de cabelos negros disse se levantando do chão.–" Eu cuido dela, por quê ela não está usando a camisa de força?!"

"Segure ela, eu vou buscar uma."– o homem saiu da sala .

   O homem de cabelos negros destruídos manteve Lucille presa na cadeira, aproveitando para distribuir alguns tapas e socos em seu rosto.

O outro homem voltou com a camisa de força, ele passou as mãos em seu bigode castanho antes de enfiar a camisa pela cabeça de uma Lucille gritando. Ela não podia mover seus braços novamente.

Seu cabelo foi cortado. Mecha por mecha, até ele ficar um pouco antes de seus ombros. Lucille chorava. Gritava . Esperneava . Mas ninguém a ajudava .

      Após ter seu cabelo cortado, Lucille foi levada para outro lugar, ela ouvia água correndo e pessoas, crianças, fazendo barulhos incompreensíveis . Ao entrar, viu duas crianças, jovens, uma devia ter  seus doze anos, uma garota. A outra era uma criança, um menino que não devia ter mais de seus seis, ele fez Lucille lembrar de seu Thomas, quando tinha essa idade, como era perfeito. Ela lembrou de quando quebrou o vaso do corredor, Lucille levou a culpa, apanhou. Ela sentiu lágrimas subirem aos seus olhos. As crianças eram banhadas por dois homens diferentes, com breves pausas para levarem puxões de cabelos e tapas.

"Tire a roupa." – o homem de cabelos negros pediu. Na mesma hora Lucille negou. O homem puxou a camisa de força de Lucille, deixando alguns arranhões em seus braços e rosto.

"Tire agora!" – ele gritou estapeando o rosto de Lucille.

Lucille deixou seu pijama – que usava dês da saída de Allerdale Hall–escorrer pelos seus ombros. Sentiu ódio, repulsa, nojo, raiva. Ninguém poderia   vê-la desta maneira. Apenas Thomas.

O moreno deu um fino sorriso em seus lábios ressecados, como se apreciasse a visão.

" Para o chuveiro. Agora."– ele ordenou.

Lucille foi até a cabine ouvindo o choro das duas outras crianças, sentia o homem a devorar com os olhos. Na cabine, havia uma cadeira, acima dela um chuveiro de ferro enferrujado, o homem a empurrou, fazendo-a sentar na cadeira de ferro gelado.

O chuveiro foi ligado e a água congelante caiu sobre Lucille.

Ela manteve os olhos vidrados na parede de ferro escura enquanto o homem passava suas mãos podres em cada centímetro da pele pálida de Lucille. Ela sentia sua lucidez ir embora, queria enfiar seus dedos nos olhos do homem. Cegá-lo, matá-lo, torturá-lo. Mas, permaneceu quieta como um cadavér.

   Após isto, ela não foi levada para a ala de comida,–ia ficar sem jantar pelo seu mal comportamento– foi levada para um quarto, onde havia uma cama de ferro e uma privada. Ela usava roupas novas, por sorte, ela viu muitos outros que não usavam roupa alguma perambulando com outros guardas. Lucille foi amarrada á cama. Onde não dormiu. As vozes das paredes sussurrantes não deixavam. Ela cantou sua canção de ninar, repetidamente para abafar as paredes. Porém, o guarda chegou. E o inferno continuava.

Valse  Sur Une Berceuse Anglaise Onde histórias criam vida. Descubra agora