As risadas calorosas que dominavam a sala de jantar de Célia Talbot não conseguiam aquietar o ego inflado de Helga Deadland, uma viúva com posses ao sul, considerada por muitos uma rica sortuda. Seus cabelos ruivos queimavam tão ardentemente quanto o fogo da lareira da sala de estar, onde William andava de um lado para o outro, tenso, um leve ressonar abafado entre as palavras gordurentas da mulher, seus lábios salivavam por boatos que seriam espalhados a todos o mais rápido possível. Seu vestido preto não conseguia ocultar seus seios exacerbadamente grandes, que atraiam olhares, considerados por muitos, indesejáveis, mas não para Helga Deadland. A mulher vangloriava-se de seus dotes, exibindo-os sempre que podiam; suas curvas sempre inchadas devido ao constante hábito de comer doces recheados e frango frito, mas sem perder a classe, é claro.
Numa noite, Helga sentira-se solitária. O marido havia falecido há duas semanas quando a mulher caminhara escondida até a cozinha, fugindo de seus funcionários, começando a cortar pedaços de um bolo de creme com morangos frescos. Naquela noite, o bolo deixou de existir em questão de horas. Célia sentia pena da viúva algumas vezes, mas na maior parte do tempo, a personagem gorda e risonha que Helga criara apagava todo esse sentimento.
- Acredita que, então, o senhor Lasstton apanhou uma garrafa de vidro e quebrou-lhe na cabeça do displicente? – A frase foi seguida por uma risada longa e exagerada, a garganta arranhando um pouco. Célia colou os lábios e tentou sorrir, mas estava apreensiva. Não dormia havia horas, e as olheiras animalescas não conseguiam ser cobertas pela maquiagem.
Embora a amiga tentasse fazer a senhora Talbot sorrir, nada acalmava o medo em seu peito de que algo tivesse acontecido com sua filha. A mesa do café da manhã estava montada, com tantas frutas vermelhas, pães doces e sucos frescos, tudo preparado para a chegada da filha. Mas ela não estava ali. Ninguém sabia onde ela estava.
- Creio que isso não seja nada bom para a reputação da senhora Lasston... – Célia tentou dizer, apenas para tentar manter a mente distraída, mas fora interrompida.
- De maneira alguma! Lasston é um oficial. Ninguém tem mais autoridade do que ele!
- Então achou certo o que ele fez? – Célia franziu o cenho.
- A única coisa certa que eu sei é que o deixaria entrar em meu quarto a qualquer hora. – Mais uma longa risada nervosa, as bochechas corando, temendo que seu humor malicioso não melhorasse a atmosfera tátil daquele lugar àquela hora da manhã.
Os passos de William arrastavam-se pesadamente pelo tapete importado e o som parecia tão alto quanto o grasnar das gaivotas do porto.
Célia olhou para a mesa de madeira na qual um prato de porcelana repousava, contendo alguns doces que ela fizera questão de comprar. A fome parecia faltar em seu estômago, que repudiava a mínima ideia de provar um daqueles pequenos cones, durante aquela conversa, algo que não acontecia com Helga, que até mesmo perguntou:
- Vai comer este aí? – Indagou a viúva já esticando seu braço rechonchudo para apanhar um doce quadrado, feito de banana e coco.
- Não..., fique à vontade.
Enquanto mastigava, Helga limpou os dedos no vestido antes de dizer:
- Soube que sua linda filha está à procura de um marido... – A mulher sorriu maliciosamente enquanto repousava as mãos sob o colo.
Como de costume, o ar era quente, mas a tensão em seus corpos parecia esquentar ainda mais cada fibra de seus corpos, como madeira em brasa. O suor escorria pelas costas e os fios dos cabelos grudavam contra o pescoço, escapando dos cachos.
![](https://img.wattpad.com/cover/164312443-288-k465451.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
Antes que a Maré Baixe (Degustação)
Ficción histórica"O amor tem suas escolhas, assim como o oceano tem suas ondas." Em 1715, Lilly Talbot sabe que o seu destino nunca esteve tão fora de suas mãos; condenada a seguir o modelo de sua sociedade e encontrar um marido, ela percebe que sua liberdade é res...