| Um |

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Me pergunto onde diabos eu estava com a cabeça na hora em que concordei com isso. Ainda não acredito que me meti nessa furada. É esse o pensamento recorrente na minha mente, desde que saí de casa.

Num minuto eu estou decidido a terminar um namoro de quase dois anos que, para mim, não faz mais o menor sentido, e no minuto seguinte estou dirigindo à casa daquele que já deveria ser meu ex-namorado, onde irei conhecer o meu futuro ex-sogro.

Só comigo mesmo para acontecer uma coisa dessas. Passar dois anos me esquivando de conhecer a família do namorado para, no momento em que decido pôr um fim ao relacionamento, cair nessa cilada.

— 'Tá tão calado, amor — diz Matheus ao meu lado. Estamos há quase uma hora presos num engarrafamento dos infernos. Ainda mais essa pra completar.

— 'To só aqui pensando — respondo de forma automática.

— Não fica nervoso, amor. Papai não é nenhum bicho papão não — ele diz em tom de brincadeira e eu me limito a continuar olhando o trânsito à minha frente.

Matheus e eu nos conhecemos por meio de amigos em comum. Sabe aquelas pessoas que, quando começam a namorar, não conseguem ver ninguém sozinho que já querem lhe arranjar um par, achando que você está infeliz? Como se você só pudesse ser feliz se estivesse com alguém ao seu lado? Pois é, assim são os meus amigos.

Estudávamos na mesma universidade e nunca tínhamos nos visto até então. Ele iniciando quarto ano de enfermagem e eu o quinto ano de odontologia. Matheus me foi apresentado como a perfeição personificada. Rapaz de família, tímido e recatado. Pelo menos era assim que todos o viam, inclusive, os amigos que o apresentaram a mim.

Mas eu saquei qual era a dele assim que nos encontramos pela primeira vez. Matheus faz o tipo "puta evangélica". Diante da sociedade é todo cheio de pudores, mas, entre quatro paredes, gosta de usar lingerie de renda, levar tapa na cara e ser chamado de vadia.

A prova dos nove eu tirei no mesmo dia em que nos conhecemos. Nos encontramos todos numa pizzaria e, ao final da noite, me ofereci para levá-lo ao apartamento que ele dividia com alguns amigos no centro, já que ele não tinha carro e tinha ido de carona.

A falsa cara de surpresa dele quando parei meu carro na entrada daquele motel foi impagável. É claro que teria sido bem mais convincente se ele tivesse resistido, um pouquinho que fosse, quando eu o agarrei e o puxei para sentar no meu colo, ainda dentro do carro.

Acabou que eu é que fui surpreendido com o fogo que ele tinha, debaixo daquela casca de "rapaz direito". Mas eu não me fiz de rogado. Nosso sexo foi quente, barulhento e durou a noite inteira. Saímos do motel direto para sala de aula, no dia seguinte. Cada um no seu respectivo curso, é claro.

— O sinal abriu. — A voz de Matheus me traz de volta ao momento presente. — O que você tem, Fernando?

— Já falei que não é nada — respondo sem muita convicção.

— Como nada? Eu 'to aqui há horas falando e você parece que nem 'tá me ouvindo! — A irritação na voz dele me diz que não é só modo de falar. Eu estava tão distraído que, realmente, não ouvi uma palavra do que ele disse esse tempo todo.

— Desculpe, amor, é que eu 'to um pouco cansado. O movimento no consultório hoje foi bem puxado. — Não chega a ser mentira, mas não é realmente esse o motivo da minha distração. — E ainda tem essa história de conhecer o sogro... — Também não é de todo mentira. Mas a questão não é conhecer meu futuro ex-sogro. Isso pouco me importa a essa altura do campeonato. O negócio é que eu não precisaria passar por isso se eu tivesse terminado esse relacionamento na noite passada, como eu pretendia.

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