| Dois |

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Às vezes eu tenho a impressão de que sou a única pessoa que conhece a verdadeira personalidade do Matheus. E talvez por isso ele se esforce tanto para manter esse relacionamento. Afinal, comigo ele não precisa manter essa pose de bom moço o tempo todo. Eu imagino como isso deva ser cansativo e, agora que conheci seu pai, começo a entender o porquê de ele sentir essa necessidade de fingir ser algo que não é.

O puxão de orelha do pai parece ter agido como um gatilho para que Matheus recoloque a sua máscara de menino recatado. Eu teria rido se não estivesse preocupado com o motivo do seu rompante.

— Fala de uma vez, Matheus! — brada seu pai.

— Dois dos enfermeiros ficaram doentes e eu fui escalado pra ficar de plantão no final de semana — Matheus responde num tom de voz dramático, como se anunciasse que uma grande catástrofe se abateu sobre a terra.

— Nada de viagem 'pro interior, então? — pergunto a primeira coisa que me passa pela cabeça, tendo o cuidado de não demonstrar a minha felicidade com o cancelamento da nossa "viagem em família".

— Eu 'to de folga e vou subir a serra, com ou sem vocês — sentencia o delegado Carlos, enquanto toma mais um gole da sua bebida. — Você pode ir comigo se quiser, rapaz.

— E eu?! — Matheus interrompe antes que eu possa sequer pensar no que responder ao convite inusitado. — Vou ficar sozinho o final de semana inteiro?

— Ué, mas não acabou de dizer que vai trabalhar no final de semana? — retruca o meu sogro.

E eles continuam nessa discussão sem sentido, decidindo o que vai ser de mim durante o final de semana, como se eu não estivesse aqui ao lado deles, ou pior, como se a minha opinião não tivesse a menor importância.

Normalmente, eu já teria me irritado com isso e dito alguma coisa, nem que fosse algum desaforo. Mas, por algum motivo, tudo que eu consigo fazer é me manter calado. Meu coração batendo acelerado no meu peito, desde o momento em que a possibilidade de viajar sozinho com o meu sogro se colocou diante de mim.

De repente, me sinto de volta à minha adolescência, quando onze em cada dez pensamentos meus tinham alguma conotação sexual. Viajar sozinho, durante um final de semana inteiro, com um homem que é praticamente a personificação de todas as minhas fantasias mais eróticas?

— 'Tá me ouvindo, Fernando? — A voz de Matheus me desperta dos meus pensamentos. Percebo que tanto ele quanto o pai me encaram como se esperassem a resposta para alguma pergunta.

— Desculpe, eu 'tava distraído. — Não tenho nem como disfarçar a minha gafe, já que, de fato, não escutei a maior parte da discussão que eles estavam tendo.

— O que há com você hoje, Fernando? — Ele meneia a cabeça e seu tom de voz é, claramente, de reprovação. Eu apenas dou de ombros. — O que você acha de ir pra serra com papai?

Olho brevemente em direção ao meu sogro, que parece indiferente a seja lá qual for a minha resposta. Eu, por outro lado, sinto a ansiedade me consumindo de uma forma que não estou acostumado. Não consigo organizar meus pensamentos e não entendo o porquê de me sentir tão desconcertado com a mera possibilidade de ficar a sós com esse homem.

— Tanto faz — respondo da forma mais casual que consigo simular —, não tenho nada pra fazer mesmo.

Tão logo termino de falar, percebo que, em se tratando desses dois, respostas ambíguas ou evasivas nunca são a melhor alternativa. Cada qual interpreta minha resposta da maneira que melhor lhe convém. E se antes eu achava que esses dois não tinham nada em comum, agora começo a rever esse conceito.

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