O buraco

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Depois veio um amplo espaço vazio, onde se fez a cordilheira, e meticulosamente o menino continuou escavando, enfiando a colher até onde era possível na parede porcamente rebocada, esfarelenta e velha – para então experimentar um pouco mais da paisagem que construía, com a noção vaga de que quanto mais se cansava, mais o buraco se abria –, e depois da cordilheira, houve mais espaço vazio, ele recomeçara, e uma outra montanha e outra, e mais espaço vazio e a descoberta, havia o leito seco de um rio, e morros menores, tão pequenos que flutuariam no verso da colher, e árvores secas que pareciam de barro vermelho, e animais exóticos, compridos e amarrotados, que nunca vira antes, que pareciam de barro, e não haviam casas, mas haviam tocas, e outros buracos e cavernas e, nas árvores, ninhos que pareciam de barro, e pássaros exóticos, compridos e amarrotados de bicos que ultrapassavam seu corpo em comprimento e que também pareciam de barro, e em intervalos regulares, o menino cessava o movimento de escavação, baixava os braços e com o rosto quase colado à parede da casa, apenas espiava para dentro do buraco, seguindo o redemoinho de poeira que se espichava contra a luz, como uma cortina, como um véu, mas que mal era capaz esconder aquilo que havia começado como um experimento, e que agora era algo outro que o menino não podia compreender perfeitamente, um mundo acobreado feito do mesmo material do reboco, e quando o buraco já lhe cabia a mão e um pouco do braço, abandonou a colher e meteu-se por ele, escavando com mais pressa, aumentando a entrada, sentindo a poeira do acabamento mal feito, esfarelento e velho rodopiar em torno dele sem nunca, no entanto, pousar no chão, e depois do primeiro braço meteu-se com o segundo, e depois passou para dentro do buraco até o tronco, esquivando-se da cordilheira, contorcendo-se apertado, o quanto mais se enfiava pelo buraco, mais o buraco parecia resistir a seu esforço, as pontas dos dedos sujas e de unhas quebradas arranhando, tateando, experimentando mas sem sucesso romper a dureza do reboco, e quanto mais se enfiava era como se tudo se tornasse mais sólido, denso e real, o buraco continuando o mesmo pelo qual entrara, mas o menino dividindo-se pela metade, encurtando, tornando-se tão pequeno que flutuaria no verso da colher, e que, se olhasse para trás veria muito longe os contornos da entrada, e a luz de fora batendo nas partículas de poeira que faziam seus movimentos circulares, mas não olhou, continuou a avançar, por entre as árvores secas que pareciam de barro, por entre os animais deformados, esticados, encolhidos, repuxados, ao avesso, os animais de barro, caminhando pelo meio do leito seco dos rios sob a sombra da cordilheira, os pássaros ali cantando uma canção de barro, com seus longos bicos de barro de que as notas que caiam eram secas e afundavam no chão de barro para que dali nascessem outras arvores secas quase instantaneamente, com suas aves e ninhos de barros e assim infinitamente, em círculos, o menino caminhou até onde tudo era denso, espichado, amarrotado, onde tudo parecia de barro, seco e esfarelento, animais e árvores de reboco, ele caminhou.

O buracoWhere stories live. Discover now