Bela, Recatada, e do lar

2. O cheiro do couro

Michelle sentou-se à mesa ao lado do marido, que travava um diálogo despojado com Temer.

Ele era ainda mais assustador visto pessoalmente, Michelle não sabia porquê, mas sentia a maldade exalar daquele homem.

Não estava prestando atenção no assunto dos dois, tampouco se importava. Havia algo lhe perturbando severamente naquele jantar, e nada tinha a ver com o diálogo dos homens.

Era aquela coisa em seu estômago, aquele calorzinho que se instalara em seu corpo desde que chegara perto de Marcela.

Marcela, aliás, parecia tão deslocada quanto a própria Michelle, não ousava dizer uma palavra sequer, sua postura talvez pudesse ser interpretada como submissa.

Uma questão nasceu na mente de Michelle quando ela desviou os olhos de seu prato para encarar a loira disfarçadamente pela primeira vez desde que se sentaram. Por que diabos ela estava casada com Temer? Era linda, teria qualquer homem (e mulher) em suas mãos sem o menor esforço, e ainda assim, casara-se com 'aquilo', Michelle encarou o velho, e por um instante as coisas pareceram ficar em câmera lenta, Michelle notou as peles ao lado de sua boca balançarem grotescamente enquanto ele falava.

"Coragem." Ela pensou consigo mesma, referindo-se à loira.

Mas, acabou dando-se conta de sua hipocrisia ao notar quem estava ao seu lado. Balançando a cabeça para afastar os pensamentos desnecessários, Michelle voltou sua atenção para a comida.

Mas não deveria ter balançado a cabeça, estavam todos encarando-a agora, como se ela tivesse discordado de algo.

Michelle ousou encarar a loira, mesmo que já não estivesse em um momento muito confortável.

Marcela parecia, por alguma razão, estar a beira de dar risada.

Um silêncio constrangedor onde todos se entreolharam confusos pairou sobre a mesa por alguns instantes, antes que Temer retomasse o assunto irrelevante que viera tratando com Bolsonaro antes de Michelle supostamente o interromper.

Michelle voltou sua atenção para o prato, desta vez decidida a não desviá-la em nenhuma circunstância. Mas sua mente parecia de alguma forma estar a lhe pregar peças, e Michelle imaginou, numa hipótese alucinante, que nem mesmo se Marcela tirasse a roupa ali mesmo, ela deveria desconcentrar-se da comida.

Por que diabos pensara aquilo?

Acabou sorrindo com a hipótese, sem saber porquê. Mas mordeu os lábios rapidamente, reprimindo o sorriso que insistia em permanecer exposto.

Tarde demais, Marcela já notara, e parecia estar se divertindo com a cena.

Enquanto os homens discutiam ininterruptamente como duas gralhas, as mulheres se entreolhavam dentre uma garfada ou outra com uma deliciosa atmosfera de humor impregnada em seus quase sorrisos.

Depois do jantar, Marcela viu a oportunidade de ficar a sós com a futura primeira-dama, não que estivesse com planos ou segundas intenções, apenas queria conversar.

  - Michelle, posso te mostrar uma coisa? - perguntou, um pouco tímida.

  - Ah, claro... - Michelle respondeu, sorridente demais...

Elas pediram licença aos maridos e Marcela guiou Michelle por um caminho desconhecido que atravessava a casa, logo ela abriu uma porta e elas se encontraram nos fundos do Palácio, que como tudo mais naquele lugar, era grandioso.

Michelle não pôde evitar de admirar o belo cenário abobadamente antes de ir para fora, sentindo o ar frio percorrer-lhe o corpo.

Marcela fechou a porta e juntou-se ao lado de Michelle para admirar o jardim e a piscina, mesmo que visse aquela paisagem todos os dias desde que Temer assumira a presidência, ainda se surpreendia com a beleza do lugar.