Um

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Agora

O sol bate fraco e tranquilo sobre a varando improvisada. Olhar para o tempo dessa forma me faz lembar de minha mãe, e da pouca, pequena, lembrança de meu pai depois de todos esses anos. Lembro-me da gente no parque, dos nossos passeios, dos seus carinhos. Faz seis anos que eu não vejo a minha mãe. Meu décimo oitavo aniversário está chegando, e mais uma vez passarei sem ela. Afasto a minha ultima lembrança de nós. Daquela noite em que minha vida acabou, a noite em que eu tive que me separar da pessoa que eu mais amava.

Jogo essa lembrança para o lado e volto a admirar o por do sol. Dezenas de vezes eu já tentei entender oque eu fiz com aquele homem, mas eu simplesmente não consigo. Sempre quando eu perguntava alguém me diziam que era um trauma, que minha mente tinha inventado aquilo. Então passou um tempo que eu simplesmente parei de perguntar, e passei a fingir para as pessoas que elas tinham razão.

Olho a minha volta, esperando o toque de recolher. Infelizmente minha sanidade mental foi colocada a posto. Depois daquele noite, minha mãe me deixou com uma tia te consideração. Mas que infelizmente eu fiquei quebrada depois da sua partida. Nunca parei de repetir e insistir sobre aquela noite. Até que ela me colocou nesse lugar.

Olho para a esquerda e vejo Celena vindo em minha direção, a unica pessoa gentil nesse lugar.

- Morgan hora de ir. - diz ela com um sorriso, como se eu ainda fosse uma criança.

Ela tem um porte de criança, como se só o seu intelecto tivesse se desenvolvido, e seu corpo ficou estagnado. As vezes sua paciência, ou até mesmo a sua pena me irritam. Fico pensando se ela não poderia ser como os outros, frios. Porém eu acho que por ela ser assim que eu gosto dela, ela me faz sentir um pouco mais humana.

- Não esqueça que amanhã você vai sair. - ela abre outro sorriso.

Sorrio involuntariamente para ela, amanhã posso ficar um dia inteiro fora dessa "clinica". Penso no ar puro fora desses muros brancos. Penso em minha mãe que está em algum lugar por aí, ela é o único motivo de eu ainda permanecer em pé. Ou melhor meu pai.

- Sério? - digo exagerando um pouco.

Preciso alimentar essa casca, eu percebo isso, se não eu nunca que sairei desse lugar.

Chegou um tempo que a mentira se tornou minha melhor aliada, onde eu posso me esconder e fingir para as pessoas que eu sou normal, uma pessoa consertada. Mas a verdade é que isso é impossível. A mentira se tornou meu pilar quando eu percebi que minha própria mãe mentiu para mim, e nunca me contou a verdade sobre meu pai, e mais importante que isso, sobre mim.

Caminhamos para os dormitórios em silêncio, vejo uma pequena mancha vermelha em seu jaleco branco, penso quem foi que derramou seu sangue. Quem foi o insano que fez isso, por é isso que a gente se torna aqui. E infelizmente eu não posso me enganar, mas é oque eu me tornei. Insana.

- Poderei ficar fora até que hora? - pergunto para saber quantas horas de liberdade eu terei.

- Poderá ficar o dia inteiro. - diz olhando para mim com um olhar complacente. - Te daremos dinheiro e mais que isso, confiança para você ficar em segurança.

- Você aceitará essa confiança que estamos dando a você? - pergunta ela agora parando em frente ao meu dormitório.

- Sim, eu prometo. - digo dando um sorriso.

Não prometo nada.

- Se você continuar assim logo logo terá alta. - diz ela colocando a mão em meu ombro e se distanciando.

Me viro e entro no quarto que eu divido com Katherine. Assim que entro vejo os posteres da banda dos Beatles, eu realmente não curto muito, mas minha colega de quarto ama. Ás vezes eu fico pensando se as pessoas são loucas por natureza, ou se elas ficam a medida do processo que se chama vida. Mas uma coisa eu tenho certeza, Katherina sim é louca.

Ela olha para o teto e fica cantando o mesmo murmúrio.

- Olá. - digo para ela, enquanto me sento na minha cama que a tempos não é confortável.

- Voltou! - diz ela com um sorriso estridente.

A loucura deixou ela mais linda, seu sorriso é perfeito, sua pele é em um tom alvo perfeito, como uma boneca. Seus cabelos são longos e castanhos, não um simples castanho. Mas um castanho claro, algumas mechas tão claras que são loiras.

- Voltei sim. - digo indo e sentando perto dela.

Ela apoia a cabeça em meu colo, Katherine se tornou a pessoa que eu posso contar todas as coisas. Já que se ela abrir o bico todos vão achar que é mais um de seus colapsos. Mas na verdade, com ela eu me sinto eu mesma, e eu esqueço toda essa loucura. Onde ela me aceita como eu sou e eu aceito como ela é. Não sei explicar oque a gente construiu aqui, pois no começo eu a odiava, odiava o seu jeito doente e odiava mais ainda por me compararem a ela me colocando no mesmo dormitório.

-Tenho uma novidade para te contar. - digo sorrindo para ela.

Katherina se levanta em um pulo.

- Me contee! - diz ela.

Seguro suas macias mãos, suas unhas estão pintadas de um rosa forte.

- Vou poder sair amanhã ! - digo com uma empolgação verdadeira.

- Sério? Que ótimo, não posso acreditar. Agora podemos começar a colocar o nosso plano em ação. - Diz ela pulando da cama.

Fico nervosa por um momento, como se alguém poderia ter nos ouvido, mas não.

- Não podemos falar disso aqui. - digo para ela, e coloco o dedo na boca, para demonstrar que devemos manter aquilo em segredo.

Ela me imita no movimento. Infelizmente quando não tínhamos nada para falar inventávamos planos, esses que a gente usaria para fugir desse lugar. Mas que nunca, por mais louca que fossemos,  executamos.

-Shiii... - diz ela e sorri.

Me levanto.

- Agora descanse, amanhã te conto tudo.

Ela faz que sim com a cabeça e continua segurando o dedo em frente da boca. Sorrio para ela, me deito na minha cama. Como podem nos poupar liberdade para pessoas tão puras como Katherine. Pessoas realmente boas! Prometo que se um dia conseguir sai daqui a levo junto.

Mentes em caosOnde histórias criam vida. Descubra agora