"Ninguém nasce mulher; torna-se mulher."
Simone de Beauvoir (1908-1986)
Rio de Janeiro - Brasil, 2007.
Eu tinha acabado de fazer 18 anos quando me encontraram. Eu morava com o meu pai e minha avó no subúrbio do Rio de Janeiro, e nunca tinha conhecido minha mãe. Eu estava voltando da faculdade uma noite, a rua estava escura e não tinha uma só pessoa por perto. Eu caminhava a passos largos, com os olhos atentos a qualquer movimento estranho ao meu redor. Acredito que qualquer mulher que ande na rua à noite, sozinha, deve se sentir dessa mesma forma. Olhei rapidamente para trás e vi como se tivesse alguém caminhando bem mais atrás. Não consegui ver se era um homem ou mulher, mas nem me prendi muito nisso, apenas passei a andar ainda mais rápido. A luz do poste piscou e eu me assustei, quase derrubando os livros que carregava. Respirei fundo e voltei a caminhar, só que quando levantei os olhos, vi que tinha uma pessoa parada no final da rua. Pela silueta, percebi que era um homem. Meu corpo gelou, meus livros caíram todos no chão. Girei o corpo, imaginando que poderia correr para o outro lado da rua, mas assim que virei, vi que a outra pessoa que tinha visto antes estava bem mais perto e que era outro homem. Eu estava no meio da rua, não tinha para onde correr. Tentei pensar em formas de escapar, em formas de me defender deles dois, como eu poderia golpeá-los e fugir, mas a minha cabeça não funcionava e quanto mais eu tentava pensar, mais eles se aproximavam. Já não estava conseguindo respirar direito, sentindo um aperto no peito e me preparando para o ataque.
Não lembro muito o bem o que aconteceu nos minutos seguintes, lembro de alguns sussurros do tipo: "você não deveria estar andando por aqui sozinha a essa hora, gatinha." ou então, "nem adianta gritar, porque não tem ninguém aqui pra te ajudar." Eu fechei os olhos fortemente e apenas sentia a mão deles passando pelo corpo, me dando uma sensação de nojo, de asco. Eu sentia os meus olhos de enchendo de lágrimas, mas eu não queria gritar para não tornar tudo pior. Até que ouvimos um barulho, eram passos ecoando pelo asfalto. Eles pararam e se afastaram de mim rapidamente. Eu escorreguei até o chão e sentada, abraçada às minhas pernas, assisti a tudo. Um grupo de cerca de três mulheres vinha caminhando pela rua, com passos rápidos e decididos. Suas expressões demonstravam superioridade e puro poder. Lembro de como eu fiquei impressionada com todas elas. A que vinha à frente de todas era alta, tinha o corpo esguio e magro, como a de uma atleta, e a pele bem escura, num tom negro que brilhava na luz da lua. Seus cachos imponentes ocupavam toda a sua cabeça, formando um blackpower. A que vinha mais atrás, à direita, tinha o corpo mais volumoso, a pele alguns tons mais claros que a primeira e, diferente da outra, era bem mais baixa e o cabelo cortado bem curtinho deixava sua expressão bem marcada. Já a que estava à esquerda era ainda mais alta que a que vinha à frente, era bem magra, a pele era branca e tinha o cabelo liso num tom vivo de vermelho.
Elas pararam à frente dos dois rapazes e os encararam, esperando alguma reação. Eu pensei em levantar e correr, mas minhas pernas não me obedeciam. A que aparentava ser uma espécie de líder deu um passo a frente, parando a poucos centímetros de um dos caras. Ela umedeceu os lábios lentamente antes de falar: "você vem com a gente." Demorou um pouco antes que eu percebesse que era comigo. Vendo que eu não estava no meu estado normal, a de cabelos curtos caminhou até onde eu estava para me ajudar, só que quando ela estendeu a mão em minha direção, um dos rapazes se colocou entre nós. Ela me olhou rapidamente e depois o encarou pelo canto dos olhos.
- Tem certeza? – sua voz saiu firme e decidida. Sem dar tempo de resposta, ela girou o corpo, fazendo com que ele caísse de costas do chão, tendo ela com um dos joelhos apoiados em sua garganta. Eu, que não tinha conseguido acompanhar o movimento, me assustei e forcei meu corpo para trás, me arrastando para alguns centímetros mais distante deles. E antes que o outro pudesse fazer qualquer coisa, a que estava em sua frente, fechou sua mão em punho e o acertou fortemente bem no rosto. Ele caiu desacordado na hora e com uma cachoeira de sangue descendo pelo nariz recém quebrado.
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Salute
ActionA Salute foi criada em 1914, durante a Primeira Guerra Mundial, por um grupo de mulheres italianas. Quando praticamente todos os homens foram para a guerra, elas sentiram a necessidade de proteger sua casa, sua família e a elas mesmas. Conforme o te...