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19 - Sobre copa do mundo e sair do armário

"Tu quer ir no cinema comigo?" Leo me pergunta, enquanto desligamos o PS4.

"Meu pai vem me buscar cara, a gente vai ver o jogo juntos." Eu digo a ele. Estamos sentados no sofá da casa de Leo, com os olhos ardendo de tanto jogar. O primeiro jogo da copa aconteceria em uma hora, mais ou menos. "E eu tô pensando em contar pra ele que sou bi."

Meu pai morava na cidade vizinha, que ficava a uma hora de distância. Ele e minha mãe se odiavam. Eu sempre me perguntava como o universo havia feito com que os dois me concebessem e porquê. Mas apesar de não suportarem um ao outro eles eram ótimos pais e já tinham superado várias barreiras difíceis por mim. No entanto nenhum dos dois sabia sobre mim. E aquilo me deixava mal, porque contávamos coisas assim uns aos outros.

"Sério?" Disse Leo. "Tu vai falar do Vinícius também?"

"Vou." Eu digo, dando de ombros. "Não sei como ele vai reagir mas preciso fazer isso."

Apesar da calma que eu tentava passar, eu estava muito nervoso. Alguns dos momentos mais importantes da minha vida tinham sido com meu pai e eu não sabia o que ia ser de mim se algo desse muito errado. Não tinha nem mencionado nada para Vinícius porque não queria deixa-lo preocupado.

"Depois tu conta pra mim e pra Olívia como que foi." Leonardo diz. "E boa sorte, eu acho."

Apesar do tom de apoio na voz dele, eu senti alguma coisa estranha por trás de seu tom de voz.

"Tu tá bem?" Eu pergunto. "Aconteceu alguma coisa?"

Houve uns segundos de silêncio enquanto ele passava os canais da TV sem olhar pra mim.

"Eu parei de tomar os remédios da ansiedade." Ele diz finalmente. "Achei que depois desse tempo todo de tratamento não fosse mais ser preciso, mas... Em vez de melhorar eu só pioro todos os dias."

"É porque tu precisa tomar os remédios né, seu animal."

Ele passa a mão pelos cabelos e então pelo rosto. Dou uma olhada em seu pulso e percebo que, pelo menos, ele não voltou a usar o elástico que usava para puxar e se machucar no meio das crises.

"Eu não quero ter que tomar remédio pra vida toda."

Eu passo meu braço ao redor dele.

"Mas talvez tenha. Ou talvez não, mas por enquanto tu precisa continuar tomando. Por mim e pela Olívia."

"É." Ele diz, com um pouco mais de alivio na voz. "Acho que sim."

Logo em seguida meu pai veio me buscar e me leva pro Pimentas, na mesa favorita dele. Apesar de não gostar da minha mãe, o Pimentas tinha sido o lugar onde eles se conheceram, na época que ela ainda trabalhava aqui e ele tocava na banda de rock progressivo dele, quando ainda estavam no ensino médio.

"Seguinte." Ele diz, passando discretamente pra mim o copo de cerveja. "Tu faz 18 agora em agosto e eu conversei com a tua mãe sobre carteira de motorista. Eu quero pagar pra ti. E ela quer tentar te dar um carro. Usado. Provavelmente com o orçamento dela um fusca..."

"Pai." Eu aviso. Ele sorri. Nós temos o rosto bem parecido, apesar de eu me parecer mais com minha mãe.

"Tô brincando. Mas é sério quanto a carteira. E se tu ganhar o carro tu pode ir me ver sempre que tu quiser. Eu e a Silvia tamo dando entrada nos papeis da casa e eu vou deixar um quarto lá pra ti."

"Obrigado pai." Eu digo. Eu tomo um longo gole da cerveja. "Aliás, tem uma coisa que eu preciso contar pra ti."

Ele acena com a cabeça e meu estômago da pulinhos dentro de mim.

O Que Meninos Fazem No EscuroOnde histórias criam vida. Descubra agora