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12 – Memórias de um menino de guerrilhas.

"'...havia, pois, chegado à época em que os rapazes começam a notar que seu coração palpita mais forte e mais apressados, em certas ocasiões, quando se encontra com certa pessoa, com quem, sem saber por quê, se sonha umas poucas noites seguidas, e cujo nome se acode continuamente a fazer cócegas nos lábios.'" Otávio narrava com paciência pra mim o livro Memórias de um Sargento de Milícias.

A parte mais difícil da coisa toda é que eu estava achando o livro interessante. Quer dizer, eu tinha que fazer um esforço enorme para prestar atenção mas às vezes Otávio interrompia a leitura para traduzir os acontecimentos pra minha linguagem, o que tornava tudo melhor.

Estávamos sentados sobre a cama dele. Era a primeira vez que eu entrava lá em quase seis anos. As paredes ainda eram do mesmo tom claro de azul, mas os brinquedos haviam sumido das prateleiras, substituídos por livros, porta-retratos e coisas do gênero. Os pôsteres de Pókemon ainda estavam na parede. Eu lembrava de comprarmos revistas iguais com aqueles pôsteres, pois éramos obcecados por Pókemon e animes em geral, mas eu havia jogado os meus fora.

Apesar do livro estar em um ponto interessante, eu já estava me entediado da mesma atividade. Meu cérebro automaticamente deixou de prestar atenção nas palavras para prestar atenção só em Otávio, ou na janela.

"Sabia que se eu cortar caminho pelo pátio do meu vizinho dá pra chegar na tua casa pelo menos 10 minutos mais rápido?" Eu digo, interrompendo a leitura. Otávio para de ler e bate com o livro na própria cara.

"Se tu não prestar atenção eu vou te matar." Ele diz, apontando o livro pra mim. "Tô falando sério."

Eu rio, o que só o deixa mais irritado, então ele bate em mim de leve, com livro, quase se jogando por cima de mim no processo.

"Para, para, para..." Eu digo, enquanto risadas escapam de mim e dele sem querer. Finalmente eu seguro seus dois braços e o imobilizo. Ele sabe que está em desvantagem física então resmunga alguma coisa e desiste de se debater. Estamos tão perto que eu me forço a solta-lo e nós nos sentamos direito novamente. Jamais tinha estado tão perto de outro garoto assim. Eu sabia como era estar com garotas, mas aquilo era diferente de tudo que eu já havia sentido.

Otávio junta o livro que havia caído da cama e manda que eu preste atenção. Ele se senta ao meu lado novamente, e eu puxo a almofada que estava sobre a cama e a coloco sobre meu colo. Ele recomeça a leitura.

Me pergunto se ele sente essas coisas também. Me questiono até que ponto acho isso certo ou errado. Porque sei que não fui criado para sentir aquelas coisas, e sei que a atraçãp que sinto por ele não totalmente inocente ou pura. E esse conflito interno está acabando comigo.

13 – Boys don't cry

"Admito que estava muito magoado com uma pessoa quando fiz a da faca. Acho que eu queria representar uma punhalada ou coisa assim. Foi uma ideia idiota mas até que ela ficou bonita." Vinícius me explicou. Ele tinha uma tatuagem de um polvo na parte interior de um dos braços e um punhal no ombro esquerdo, as duas em finas linhas pretas.

"Magoado com quem?" Eu pergunto.

Já é quase duas da manhã. É sábado e estamos na praça, correndo risco de sermos assaltados. Até pouco tempo atrás, estávamos sentados no Pimentas, eu, ele, Leo, Olívia e umas outras pessoas, assistindo um showzinho de uma banda iniciante. Mas agora tudo estava fechado, e Vinícius e eu não queríamos ir embora.

Eu me sentia meio sem direção. Leonardo tinha feito dezoito anos em dezembro, então tínhamos bebido um pouco. Não demais para que eu me sentisse bêbado, mas meu organismo não estava acostumado.

O Que Meninos Fazem No EscuroOnde histórias criam vida. Descubra agora